Entenda crise na Venezuela que preocupa seleções na véspera do Sul-Americano sub-20

País vive período conturbado após vitória de Maduro nas eleições. Brasil vê denúncias de violação de direitos "com grande preocupação" e pede garantias de segurança para delegação

Por A Voz da Região em 22/01/2025 às 12:32:01

Garantias de segurança, ameças de não-participação... muita coisa acontece antes da bola rolar no Sul-Americano sub-20. A competição, realizada na Venezuela, é cercada por um forte temor das federações participantes por conta da instabilidade política no país, que vive um momento conturbado com protestos e alegações de violações aos direitos políticos. O ge explica o momento da Venezuela antes do início da competição, que começa às 18h desta quinta-feira.

No poder desde março de 2013, quando assumiu logo após a morte de Hugo Chávez, que presidiu a Venezuela por 14 anos, Nicolás Maduro foi reeleito em 2024. Os resultados, porém, são contestados pela oposição. Segundo o governo venezuelano, Maduro recebeu 52% dos votos e venceu Edmundo González, chamado de "fantoche" pelos chavistas. A oposição acredita que González foi o verdadeiro da eleição de julho de 2024 com cerca de 67% dos votos. As atas não foram divulgadas até hoje.

Desde a eleição presidencial, a situação política na Venezuela, que já não era das mais tranquilas, inflamou ainda mais. Mais de duas mil pessoas foram presas por protestos contra o governo de Maduro, como informado pela agência de notícias francesa AFP. Além dos presos, 28 pessoas morreram e outras 200 ficaram feridas nas manifestações contra Maduro.

É com esse cenário de caos, violência, tumulto e instabilidade política que a Venezuela sedia o Sul-Americano sub-20. O governo brasileiro pediu garantias de segurança para sua delegação no país, e a Argentina não queria que os jogadores viajassem para a disputa da competição. Em entrevista ao ge, Ariel Palacios, jornalista e correspondente da Globo News em Buenos Aires, analisou a situação na Venezuela na véspera do torneio.

- A Venezuela é uma ditadura. É sempre perigoso visitar um regime militarizado, como é o caso da Venezuela. Pior ainda, com milícias. São milícias sem um comando conjunto. São muitas, dos mais variados tamanhos, que vão com dezenas e centenas de pessoas. Além disso, a Venezuela é um país de alta criminalidade, de roubos, de alto índice de homicídios. Não é conveniente visitar um país assim - analisou Ariel Palacios.

- Maduro foi eleito presidente civil em 2013. Ele tinha uma tendência autoritária, mas ainda não era uma ditadura. Até que, em 2015, houve uma eleição parlamentar e a oposição conquistou dois terços das cadeiras do parlamento, o que dava um poder similar ao poder executivo. Maduro, a partir dali, do início de 2016, passou a governar sem o parlamento, começou a ignorar as leis aprovadas pelo parlamento, o que o tornou um ditador. Depois a coisa se complicou mais ainda com o fechamento de 16 partidos políticos, a intervenção em outros 16 partidos e prisões de líder opositores, opositores que foram para o exílio, outros que foram presos sem julgamento e a declaração inelegibilidade de mais de duas dúzias de líderes políticos. A Venezuela é uma ditadura faz um certo tempo - continuou.

Na última semana, o Ministério do Esporte do Brasil enviou uma carta à Conmebol pedindo garantias de segurança para a realização do Sul-americano Sub-20. Dias antes, a ministra de Segurança da Argentina, Patricia Bullrich, anunciou em uma entrevista à CNN que o país "não vai mandar seus garotos (ao torneio) para que possam ser sequestrados". O governo uruguaio fez coro ao vizinho nas críticas ao regime de Nicolás Maduro.

- O regime com certeza vai pretender fazer de conta que está tudo bem no país e vai colocar mais policiamento nas concentrações dos jogadores e no transporte deles. Isso com jogadores e com o corpo técnico. Com certeza essa proteção não vai acontecer com o torcedor normal. A Venezuela é um país perigosíssimo, com uma polícia tremendamente corrupta e com milícias bestialmente corruptas e sanguinárias. Viajar para ver os jogos é uma loucura - disse o jornalista.

- A gente vê ao longo da história que países paupérrimos organizam competições internacionais mesmo não tendo um centavo para isso. Eles se endividam, fazem esses eventos... aquele populismo esportivo. Tentam distrair a população com algum tipo de evento. Isso é um clássico na América Latina. Várias ditaduras já fizeram isso. É só recordar da Argentina em 1978. Mussolini fez a mesma coisa na Copa da Itália de 1938, Hitler nos Jogos Olímpicos de 1936. As ditaduras esses momentos esportivos para distrair a população. O que é preocupante é que as federações participem de um evento como esse dentro de um país que é uma ditadura. A Venezuela foi uma democracia e deixou de ser há mais de 10 anos. Isso não pode ser tolerado.

No dia 10 de janeiro, Nicolás Maduro tomou posse para o terceiro mandato como presidente da Venezuela. A cerimônia foi marcada pela falta de lideranças internacionais, o que expôs o isolamento de Maduro e da Venezuela. Em 2024, a candidatura de María Corina Machado, principal líder da oposição a Maduro e detida recentemente em manifestação, foi barrada. Edmundo González surgiu como candidato surpresa, sendo um dos poucos a conseguir registrar-se para a disputa.

- Um fator que complica a situação dos outros países é a questão democrática. Nos últimos anos, movimentos de extrema-direita e alguns de esquerda causaram uma erosão na qualidade democrática dos países da região. A região nunca foi uma coisa brilhante na democracia, mas tentava se aproximar. O que aconteceu nos últimos anos foi uma erosão da democracia, uma exaltação do militarismo, do nacionalismo, do fanatismo religioso, entre outros fatores. Dos regimes autoritários, a idolatria de caudilhos, de pessoas fortes, do populismo. O líder carismático que apela ao lado emocional das pessoas, não ao lado racional. O próprio Maduro declarou que seu regime é uma coalizão cívico-militar-policial, então o fato de realizar eleições fakes em pleno século XXI pode inspirar outros presidentes. Na América do Sul, ditaduras de direita faziam esse jogo, que é o caso do General Stroessner, do Paraguai.

O Sul-Americano sub-20 começa às 18h desta quinta-feira com o duelo entre Peru e Paraguai no Metropolitano de Lara. A estreia do Brasil será contra a Argentina às 20h30 de sexta-feira no Estádio Misael Delgado.

Fonte: Globo Esporte

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