Thiago Pacheco é autônomo, estudante de Medicina na Fundación Héctor Barceló, em Buenos Aires, e possui um perfil no Instagram para ajudar brasileiros, especialmente baianos, que têm interesse em estudar na Argentina. De modo geral, o soteropolitano é bem tratado pelos argentinos. No entanto, ainda há registros, mesmo que isolados, de episódios preconceituosos.
No primeiro semestre do ano passado, ele e a esposa foram surpreendidos por comentários hostis de uma senhora, dentro de um ônibus. "Era um dia muito chuvoso. Minha esposa, sem querer, esbarrou no braço de uma senhora, que ficou visivelmente irritada ao perceber que estávamos falando em outro idioma e, no final da discussão, disse para gente voltar para o nosso país", disse.
Maria Eduarda Fortuna é outra soteropolitana que estuda Medicina na Fundación Héctor Barceló desde 2022. Ela revela que tem se falado muito sobre as dificuldades impostas a imigrantes latino americanos. Segundo a estudante, a hostilidade vem de um público específico: idosos moradores da capital federal. "Uma vez, eu estava atravessando a rua, quando uma senhora disse para eu voltar para o meu país".
Uma das principais queixas dos argentinos é o acesso a universidades públicas gratuitas por estrangeiros. Ela revelou também que a maioria das postagens de estudantes brasileiros costuma receber comentários agressivos e xingamentos de argentinos.
A estudante Jaine Neres, 25 anos, desembarcou em território argentino em 2019 para estudar Medicina na Universidad Nacional de Rosario, cidade a 300 quilômetros de Buenos Aires. Embora tenha feito transferência para uma faculdade particular há um ano, a soteropolitana ainda discute com argentinos que se mostram xenofóbicos nas redes sociais.
"Essa semana, eu estava respondendo a alguns xenofóbicos que acreditam que o problema de tudo estaria resolvido se os estrangeiros pagassem mensalidade. Eles acreditam que estão pagando a faculdade pública para gente", afirmou.
Nas redes sociais do Diário Clarin, jornal de maior circulação do país, inúmeros são os comentários de argentinos afirmando que os alunos de outros países da Universidad de Buenos Aires (UBA), a maior universidade pública da Argentina, deveriam ser cobrados pelo ensino.
"Si empiezan a cobrar a los extranjeros se financia sola (Se começam a cobrar aos estrangeiros se financia sozinha)", diz um. "Van a tener que empezar a cobrar la educación a los extranjeros (Vão ter que começar a cobrar a educação aos estrangeiros)", diz outro. Ambos representam centenas de comentários do mesmo gênero em uma publicação na qual o jornal noticia que a UBA havia declarado extrema preocupação por falta de fundos.
Embora tenha feito transferência para uma universidade particular há um ano, Jaine ainda defende estudantes brasileiros de universidades públicas argentinas. "Não faz o menor sentido, a faculdade pública é financiada pelos impostos que tanto os argentinos quanto os estrangeiros pagam arduamente, todos os meses, mas eles juram que quem paga são eles", disse.
A reportagem solicitou ao Ministério de Relações Exteriores o número de baianos que estudam na Argentina. No entanto, a pasta afirmou que não possui dados sobre a comunidade brasileira no exterior desagregados por unidades da federação. Sobre os casos de brasileiros impedidos de entrar em solo argentino, o Itamaraty afirmou que tem acompanhado a situação.
"O Itamaraty, por meio da Embaixada e do Consulado-Geral em Buenos Aires, tomou conhecimento de relatos de inadmissão de estudantes brasileiros na Argentina e realizou gestões sobre o tema junto às autoridades locais", disse em nota.
O Itamaraty ressaltou que, nos contatos estabelecidos, "foi reiterada à parte argentina a importância de aplicação do Acordo sobre Residência para Nacionais dos Estados Partes do Mercosul, que prevê medidas de facilitação do livre trânsito de pessoas". As autoridades locais pontuaram, em resposta, a necessidade do visto apropriado por parte dos estudantes brasileiros que queiram ingressar no país.
*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro
Fonte: Correio da Bahia