O Venvanse, autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para tratar quadros de transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) e de transtorno de compulsão alimentar, se tornou comum entre os trabalhadores da Faria Lima, em São Paulo, um dos principais pontos de referência para o mercado financeiro do país.
O aumento nas vendas fez com que a droga desaparecesse, não só das farmácias paulistanas como também em drogarias de Goiânia (GO), Santos (SP), Curitiba (PR), Brasília, Cuiabá (MT) e Belo Horizonte (MG).
Em pequenas doses, o Venvase seria capaz de alavancar a performance dos profissionais e aumentar a capacidade de concentração. Como noticiou a BP Money, parceira do Bahia Notícias, o uso indiscriminado e sem prescrição médica podem oferecer riscos à saúde.
O fármaco é produzido no Brasil pela empresa japonesa Takeda e uma caixacom 28 cápsulas pode custar entre R$ 400 e R$ 500, em média, dependendo da concentração.
Segundo o o psiquiatra Mario Rodrigues Louzã Neto, coordenador do programa de déficit de atenção e hiperatividade no adulto (Prodath) do IPq (Instituto de Psiquiatria) do Hospital das Clínicas de São Paulo, os ganhos obtidos não passam de um fenômeno ilusório: "Se o indivíduo não tem TDAH, o Venvanse não aumenta o rendimento".
Neto conta que uma pessoa que não tenha TDAH já apresenta um rendimento ótimo dentro da sua capacidade, mesmo que sua performance possa ser pontualmente afetada por fatores como privação de sono ou problemas de saúde, por exemplo. Esses pacientes apresentam sinais de baixa capacidade de concentração desde a infância.
Os casos de pessoas com TDAH, sim, são beneficiados com o uso do Venvanse. Para todos os outros, como aponta Louzã Neto, ainda que as pessoas acreditem sentir efeitos estimulantes nos primeiros usos, no longo prazo, existe o efeito rebote: queda acentuada da capacidade de concentração.
"O uso por quem não precisa é uma inutilidade. Na verdade, as pessoas estão prejudicando o desempenho do sistema nervoso central e esse 'rendimento' deve cair mais para frente", avaliou o coordenador do Prodath no IPq. Para ele, há de se considerar até mesmo a hipótese de efeito placebo do uso do medicamento por quem não tem indicação.
Primeiro, porque a substância base do Venvanse, o dimesilato de lisdexanfetamina, tem um tipo de metabolização que faz com que ela seja liberada gradualmente no organismo, isso quer dizer que o efeito do medicamento no corpo não é imediato. Mesmo assim, muitos usuários nas redes sociais brincam com o "momento quando o Venvanse bate". A frase é frequentemente acompanhada por vídeos que ilustram episódios de "superprodutividade" ou relatos sobre uma alta capacidade de concentração.
É a suposta glória de "conseguir estudar três meses de matéria em uma noite", como reportou um estudante no Twitter. Esse "barato" do Venvanse não existe, no entanto, justamente pela forma que a droga interage com o organismo. "Cada pessoa tem uma capacidade de atenção X, e, a princípio - excluídos os casos de TDAH -, estamos sempre próximos dos 100%", disse o especialista.
"Mas é claro que a tendência é que a performance seja sempre mais alta no início do ciclo de produção e, com o decorrer do tempo e com a estafa, ela caia". Assim, o estímulo externo estaria sendo confundido com efeito do medicamento.
Uma pessoa que trabalha na área de programação topou falar com o BP Money sobre o uso do Venvanse na condição de anonimato. Segundo o dev - profissionais que trabalham com desenvolvimento de software -, a rotina com dias de privação de sono para dar conta do volume de trabalho fez com que o remédio parecesse uma boa solução. O entrevistado alega tomar uma cápsula de 50 mg do Venvanse "apenas às vezes".
"Não só senti melhorar a produtividade, mas também tirou o apetite, então você fica totalmente focado no que está fazendo", disse o profissional ouvido pela reportagem. Ele defende que o Venvanse teria ajudado a aumentar sua produtividade. "Terminei um projeto grande em 16 horas, um ritmo bem acima do meu normal".
Mas Louzã Neto explica que o sistema nervoso central (responsável por receber e transmitir informações para o corpo) necessita de descanso de forma regular. "O sono é quando, pondo de forma simples, o cérebro se 'refaz'", disse. Então, em algum momento, o desgaste dessa privação deve começar a aparecer. "O nosso organismo é mais tolerante à sede e fome do que ao cansaço. Por isso, a pessoa ficará mais irritada, não terá mais capacidade de se concentrar e passará a sentir muito esse esgotamento", disse.
Essa fama fez a procura pelo Venvanse aumentar entre aqueles que não têm indicação para uso da droga. Nas redes sociais, páginas de vendas de receitas médicas - uma prática criminosa com pena de detenção de três meses a um ano - prometem acesso a drogas de uso regulamentado e controlado e até abordam usuários nos comentários de posts com alto engajamento. Uma dessas páginas avisa: "outro perfil caiu, mas os corre [sic] sempre continua. O mais confiável do sub do Twitter, estamos sempre on na DM".
Além da prática criminosa, o risco da banalização desse tipo de conteúdo na internet é que as pessoas tendem a acreditar naquilo que reforça suas próprias crenças, o chamado viés de confirmação, como apontado pelo psiquiatra.
"É por conta dessa tendência que, nas redes sociais, as pessoas podem ter dificuldade em separar o que é uma informação de credibilidade e de uma fonte oficial da abordagem descabida e distorcida sobre esses temas, principalmente na área da saúde", pontuou Louzã Neto.
No caso do Venvanse, apesar de se tratar de uma droga de interação segura no organismo, segundo o especialista, a preocupação que decorre do uso sem acompanhamento médico está ligada a possíveis efeitos no aumento de pressão arterial, especialmente para pessoas acima dos 45 anos.
A automedicação leva ao internamento de muitas pessoas, um fenômeno que não está ligado exclusivamente ao abuso de psicoativos. "O verdadeiro alerta é para que as pessoas não façam isso com a sua saúde, porque, no fim, elas são as mais prejudicadas", concluiu o médico.
Na central de atendimento ao consumidor do fabricante, a falta do Venvanse nas prateleiras ganhou até uma seção especial para "informações relacionadas ao medicamento Venvanse". Por lá, os atendentes informam que a distribuição já está sendo retomada e, na sequência, indicam os locais em que ele pode ser encontrado.
Em posicionamento enviado para a BP Money na quarta-feira (4), a farmacêutica afirma que "os medicamentos Venvanse e Juvene encontram-se disponíveis no mercado em todas as suas apresentações, não havendo problemas na comercialização e/ou processo logístico de distribuição". Mas a companhia reconhece que "eventualmente, por uma variação de oferta versus demanda em determinadas regiões, é possível que haja alguma dificuldade para localizar os produtos em alguns pontos de venda".
A Anvisa, que monitora o mercado a fim de avaliar o risco de desabastecimento ou restrição de acesso a medicamentos resultante de descontinuação de fabricação ou importação, confirmou após consulta no seu sistema que não há relatos sobre interrupção ou descontinuação do medicamento da parte da Takeda.