Cerca de dois terços dos tribunais possuem especialização em, ao menos, uma das varas da fazenda pública para a análise dos processos da saúde. Quando se trata de saúde pública, somente 7% dos órgãos de Justiça possuem especialização de turmas ou câmaras e o mesmo percentual indicou contar com turmas ou câmaras especializadas em saúde suplementar. Os dados foram apresentados nessa quinta-feira (18/8) durante a V Jornada de Direito da Saúde, realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
O evento reuniu, no Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA), membros da magistratura, do Ministério da Saúde e da Agência Nacional da Saúde (ANS), além de representantes de hospitais particulares de grande porte, médicos e cientistas. O desafio proposto às pessoas participantes foi a promoção de maior e melhor sinergia entre Judiciário, Executivo e Legislativo para o melhor tratamento das demandas judiciais na área da saúde pública e suplementar, com o aperfeiçoamento de procedimentos judiciais e soluções adequadas de conflito.
O coordenador do Fórum Nacional do Judiciário para a Saúde (Fonajus), conselheiro do CNJ Richard Pae Kim, reforçou que o objetivo do Fórum é promover estudos e propor medidas e normas que aperfeiçoem os procedimentos e conferem maior efetividade aos processos judiciais na saúde de forma a evitar e prevenir novos conflitos nessa área. Sobre os dados levantados pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias do CNJ junto aos comitês estaduais de saúde, ele destacou a importância da especialização para dar qualidade e agilidade às decisões judiciais.
"Todos sabemos dos benefícios que essa especialização traz na medida em que o magistrado passa a conhecer melhor os serviços de saúde e a conhecer melhor as temáticas, dando maior qualidade às decisões", afirmou Pae Kim. O panorama foi apresentado no primeiro painel da jornada, sobre o atual cenário de trabalho dos comitês estaduais de saúde e dos núcleos de apoio técnico do Judiciário (NatJus). A mesa foi presidida pelo desembargador federal João Gebran Neto, do Tribunal Regional Federal da 4ÂȘ Região (TRF4).
Para apoiar o fortalecimento da atuação da Justiça na temática da saúde, o Fonajus tem cumprido agenda de visitas aos comitês estaduais a fim de conhecer o funcionamento desses órgãos e verificar seus desafios no dia a dia. "Isso tem sido excelente para conhecermos as dificuldades e para colocar o CNJ também para apoiar essas ações", acrescentou Pae Kim.
O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, defendeu de que o direito das pessoas à saúde é o direito a políticas públicas na área da saúde. Mas ele destacou que o mandamento constitucional não assegura tudo a todos. "O que é direito de todos e dever do Estado são as políticas públicas instituídas, um rol de políticas públicas que deve ser atualizado para garantir a eficácia e a efetividade da prestação da assistência à saúde."
Para ele, a discricionariedade técnica, correta e adequada da administração pública deve ser o norte da oferta dos serviços da saúde, seja na atenção à saúde básica, seja na atenção especializada. "Mas a força da democracia e o acesso amplo dos brasileiros ao Poder Judiciário através da defensoria pública, da advocacia privada ou do MP tem trazido essa situação da judicialização da saúde."
Queiroga abordou também a incorporação de tecnologias, em referência à Lei 12.401/2011, que criou a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologia ao SUS (Conitec), com a atribuição de analisar a incorporação de tecnologias ao SUS e elaborar protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas. "Essa lei estabelece que esses protocolos têm que incluir fármacos, dispositivos e equipamentos que sejam seguros, eficazes, efetivos e que sejam 'custo-efetivos'. E essa discricionariedade técnica que a Conitec tem, deve ser de boa qualidade e em sintonia com o melhor da evidencia científica."
Promotor do Ministério Público Estadual da Bahia e conselheiro do CNJ, João Paulo Schoucair informou que, entre 2012 e 2020, a Justiça Estadual da Bahia recebeu 2,6 milhões processos da área da saúde, além de 265 mil processos na Justiça Federal. Entre 2015 e 2021, o número de processos na área da saúde suplementar foi de 400 mil. "O Poder Judiciário tem se esforçado para responder essas demandas e o CNJ é o porto seguro para dar esse conforto. Não adianta achismo, nem somente bom senso. Não somos cientistas e, para isso, temos os órgãos técnicos. Nesse conclave, teremos o prestígio de ouvir médicos, cientistas e professores porque o Judiciário precisa dessa segurança para decidir."
O coordenador do Comitê Estadual de Saúde na Bahia e membro do Comitê Executivo Nacional do Fonajus, desembargador do TJBA Mário Albiani Júnior, reforçou que essas demandas são um tema de interesse social que exigem preparo multidisciplinar e criatividade do operador do direito. Em sua avaliação, é necessário estimular arranjos institucionais capazes de reduzir a judicialização e conferir maior qualidade às decisões judiciais, para que sejam baseadas em evidências científicas. "O Judiciário tem um novo papel institucional nesse panorama e os magistrados, criativos que são, têm papel institucional e judicante de dar melhor prestação jurisdicional atendendo ao direito subjetivo à saúde e preservando o erário público como interesse de toda a sociedade."