Desde o início da pandemia, o número de famílias ameaçadas de perder a moradia cresceu 655%, de acordo com levantamento feito pela Campanha Despejo Zero, uma articulação nacional que engloba mais de 175 organizações, movimentos sociais e coletivos. Entre março e agosto de 2020, eram 18.840 famílias; agora, são 142.385.
Segundo a pesquisa, também aumentou 393% o número de famílias que foram efetivamente despejadas. No começo da pandemia, foram 6.373 famílias e, até maio deste ano, o número saltou para 31.421.
O cenário é ainda mais preocupante porque, das 569.540 pessoas que vivem sob ameaça de remoção, 97.391 são crianças e 95.113 idosos, de acordo com o balanço das instituições. As mulheres representam mais de 341 mil pessoas do total.
De acordo com o levantamento realizado de março de 2020 a maio de 2022, quase 21 mil idosos foram despejados de casa. O número de crianças removidas chega a 21.492. Os dois grupos representam 33% das pessoas que sofreram com o despejo ou são ameaçadas no Brasil.
"O despejo é devastador para crianças e idosos. A moradia é a porta de entrada para uma série de direitos básicos. Sem teto e sem comprovante de residência, as crianças não conseguem acesso à escola e aos serviços de saúde e lazer, enquanto os idosos sofrem por questões identitárias e pelos laços afetivos criados com o território", afirma Raquel Ludermir, coordenadora de Incidência Política da Habitat Brasil e integrante da Campanha Despejo Zero.
Daniel Theogene é haitiano, tem 36 anos e mora com outras cinco pessoas na comunidade Porto Príncipe, localizada na avenida do Estado, no Cambuci, na região central da capital paulista.
Ele, que é o único responsável por sustentar a família com os bicos que faz como vendedor, vive em um galpão com dois quartos, sala e cozinha, com a esposa, que está grávida, dois filhos, de 5 e 10 anos, a mãe dele, de 65 anos, e a sogra.
No terreno estão 350 famílias, a maioria de origem haitiana. "Estou aqui há mais de um ano, desde o começo [da ocupação]. Não sei quem é o dono. Recebemos várias ameaças, tenho medo disso. Não temos como pagar aluguel, estou sem trabalho. Várias vezes queriam tirar a gente, mas não tiram. É complicado. Dormir, não se dorme bem. É um olho fechado e o outro aberto", conta Daniel.
Segundo ele, não há uma data para o despejo, mas o clima é ameaçador. Também não há conforto para crianças e idosos. Apesar das adversidades, os filhos estão na escola e médicos frequentam a comunidade.
Daniel está no Brasil desde 2013 e já passou por muitas dificuldades. "Tenho medo de acontecer alguma coisa. Meus filhos perguntam: 'Pai, se vai embora, onde vai morar? Na rua?'. Fico triste com as perguntas das crianças. Imagina agora com um bebê chegando", diz.
Os moradores não pagam luz e água. Equipes da prefeitura já fizeram o cadastro das famílias para serviços de assistência social.
"Antes recebia cesta básica, mas agora não vem mais. A gente não come à vontade, come para sobreviver. No mercado, os preços sobem em dois dias. Não sei se o governo vai pôr a gente na rua, se vai dar emprego, mas, na pandemia, eu precisava de um lugar para morar", conclui.
Fonte: A Voz da Região / R7.com