No último ano, os queijos baianos receberam 47 medalhas no Concurso do Encontro Nordestino do Setor de Leite e Derivados (Enel), em Vitória da Conquista, e 20 medalhas no Concurso Mundial de Queijos do Brasil, em São Paulo.
Na premiação mais recente, o VI Prêmio Queijo Brasil, realizado em Blumenau (SC) entre os dias 7 e 9 de julho, os queijos baianos também se destacaram. Entre os queijos premiados, 36 foram fabricados na Bahia, que recebeu quatro medalhas de ouro, dez de prata e 22 de bronze, o que fez o estado ficar em sexto lugar no ranking dos mais premiados.
Uma das ganhadoras do ouro foi a Queijaria Tradição, localizada em Caetité, no Alto Sertão baiano. A loja levou duas medalhas douradas, uma pelo Azulzinho do Sertão e outra pelo Pedra Redonda do tipo parmesão. Em seis anos, a Tradição recebeu medalhas em prêmios regionais, nacionais e até em um mundial: em 2022, os produtos foram premiados no Concurso Mundial de Queijos, realizado em São Paulo.
"É muito bom participar, em questão de reconhecimento. Pessoas saem de outros estados para comprar aquele queijo premiado. Todos os meus seis queijos premiados esgotam muito rápido, mercados grandes querem vender minhas produções. É muito bom mesmo, mas eu só comercializo na minha vendinha", conta Jair Novais, fundador da queijaria.
Atualmente, a produção de queijos artesanais são produzidos todas as mesorregiões da Bahia. A maior parte dessa produção, entretanto, se concentra no Extremo Sul e no Sudoeste, nas maiores bacias leiteiras do estado. O levantamento foi realizado através dos projetos de desenvolvimento de queijarias do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) Bahia, que promove capacitação de produtores e facilita a ida às premiações. De acordo com o órgão, existem também queijos premiados em municípios como Santanópolis, Riachão do Jacuípe, Ruy Barbosa, Ibicoara, Santo Amaro, Dom Macedo Costa e Curaçá.
Artesanais
De acordo com Juliana Antunes Faria, analista técnica da Coordenação de Agronegócios do Sebrae, o segmento de queijos artesanais baianos vem ganhando uma ampla visibilidade, a participação e premiação dos queijos baianos em concursos regionais, nacionais e internacionais é a razão. "As premiações reforçaram a qualidade dos produtos e o potencial do estado no segmento, e motivaram os produtores a buscarem o aperfeiçoamento dos produtos e regularização das suas queijarias", afirma.
É apenas com a regularização que o produtor pode comercializar efetivamente. Existem o selo municipal, o estadual e o federal, que dependem do tamanho da produção. A Queijaria Tradição, localizada em Caetité, no Alto Sertão baiano, é um exemplo de estabelecimento premiado com certificado apenas a nível municipal.
Jair Novais chegou a trabalhar com 1.500 litros de leite por dia. Atualmente, entretanto, prefere uma produção pequena e completamente artesanal, utilizando 40 litros, o equivalente a, em média, 50 quilos diários de queijo.
Com produtos para todos os gostos, que variam entre R$12 e R$400, o empreendedor possui hoje uma loja em Caetité. Apesar de almejar o certificado estadual, ele afirma que a queijaria se tornou um ponto turístico para amantes de queijo de todo o Brasil, e que as premiações são essenciais para essa visibilidade.
Novais começou a trabalhar com queijos em 2017, quando morava em Minas Gerais com a esposa. À época desempregado, Novais precisou buscar outros jeitos de conseguir uma renda. Começou com um só queijo, o branco com goiabada, e aprendeu com o auxílio da internet a produzir outros tipos. Hoje faz mais de 60 tipos e é conhecido pelos premiados queijos Precioso (do tipo canastra), os do tipo brie e o Azulzinho do Sertão (gorgonzola). De acordo com ele, além do valor do leite, não possui custos trabalhando com a produção reduzida, uma vez que não tem outros funcionários e nem despesas com equipamentos.
"Certo dia, um advogado que era conhecedor de queijos veio até a feira, comprou e postou nas redes sociais, especialmente num grupo com advogados do Brasil todo. A postagem dizia: "não precisa ir até Minas, Caetité hoje tem". Isso alavancou nossas vendas e fomos crescendo aos pouquinhos", diz.
André Augusto Teixeira, de 68 anos, via o pai produzir queijos desde os 20. Aposentado, Teixeira foi engenheiro e dirigente de empresa pública. Começou a própria produção apenas para amigos e familiares, no sítio em que mora, em Santo Amaro. Para facilitar as vendas, começou a fazer parte de um consórcio e, assim como Novais, produz em pequena escala, utilizando 50 litros por dia.
Cooperativas
De acordo com Juliana Antunes Faria, analista do Sebrae, com a legislação ainda sendo aprimorada na Bahia, participar de consórcios é uma opção para ampliar a possibilidade de comércio. "Um dos maiores gargalos no segmento ainda é a regularização, que envolve o sistema de inspeção estadual. Uma alternativa que tem sido adotada pelos produtores baianos é a busca pelo Serviço de Inspeção Municipal Consorciado, que permite que os produtos sejam comercializados nos municípios que integram aquele consórcio e tem sido a única solução encontrada para mudar o cenário de informalidade no estado", diz.
Foi só em 2023 que Teixeira participou de uma premiação pela primeira vez. O produtor voltou para sua fazenda em Santo Amaro após o Prêmio Queijo Brasil de 2023, primeiro em que participou, com cinco medalhas: três de bronze e uma de ouro pelo queijo Boursin e uma de bronze pelo queijo Meu. Para ele, o reconhecimento adquirido a partir da premiação é importante para dar visibilidade aos outros produtores da região e facilitar o caminho para que mais produtores consigam chegar a esses lugares.
"Por ser a primeira vez, a gente foi cheio de expectativas e de receios. Na primeira vez que você participa, tem uma ansiedade muito grande sobre o resultado, sobre o que os jurados vão achar. Mas foi muito bom", afirma.
Eugênia Ribeiro Félix é presidente da cooperativa Capribéee, junção das cooperativas Mão do Campo, de Jaguarari, e Sabor do Sertão, localizada em Curaçá. De acordo com ela, são 50 mil litros de leite utilizados por ano para os queijos produzidos.
A cooperativa, que foca na produção de queijos com leite de cabra, mas produz também achocolatados e iogurtes, envia produtos para todo o estado. A venda é limitada à Bahia, já que a Capribéee tem o selo estadual de vendas, o SIE. "Eles não podem ser comercializados no Brasil inteiro, porque nós não temos ainda o CIF, que é o selo federal. Isso é essencial para que a gente possa abrir muito mais oportunidades para a nossa cooperativa. Nós já vendemos em diversas cidades baianas, a capital é o nosso forte, inclusive. E a gente espera que, cada vez mais, a gente consiga colocar o nosso produto em outros estados, com outras certificações", explica.
Para Eugênia, um queijo digno de medalhas de ouro exige dedicação e leite de qualidade. "Nós moramos no sertão da Bahia, onde as pessoas não acreditavam que o nosso semiárido pudesse desenvolver um trabalho sustentável. A nossa cooperativa trabalha com a sustentabilidade, e as pessoas falavam que não tinha como produzir leite aqui no semiárido. Nós mostramos que tudo é possível. A qualidade do leite, o carinho com a produção, a dedicação do pessoal que trabalha na produção, tudo isso faz com que a gente tenha um produto que chega uma medalha de ouro", afirma.
Para quem escolheu trabalhar com a venda dos produtos, o cenário atual é promissor. Esse é o caso de Frederico Teixeira, queijista e vice-presidente da Associação de Comerciantes de Queijo Artesanal Brasileiro (Comer Queijo), de 35 anos. Mineiro de Uberlândia, o empreendedor mora em Salvador desde 2011, e começou a vender queijos em 2016, de porta em porta para amigos e conhecidos.
Foi apenas em janeiro de 2018 que a Oxe! É de Minas conseguiu seu próprio espaço, uma loja física no Mercado do Rio Vermelho (Ceasinha). "A caminhada com o queijo artesanal foi e é difícil e tortuosa. A população de Salvador não tinha e ainda não tem a cultura de comer queijo de verdade. Nós fazemos um trabalho de formiguinha, "convertendo" os soteropolitanos para um caminho sem volta: o caminho do queijo de verdade, o gosto pelo queijo artesanal brasileiro", afirma Frederico.
A Oxe! É de Minas conta com queijos de R$69,90 até R$290 por quilo. Frederico conta que o empório conta com uma rotatividade constante e já teve produtos de estados como Minas Gerais, Santa Catarina, Rio Grande Do Sul, Paraná, Pará, São Paulo, Espírito Santo, Rio Grande do Norte, Bahia, Paraíba, Goiás e Rio de Janeiro. De acordo com o proprietário, já passaram 20 rótulos baianos pela loja, de diversas cidades do estado. Hoje são cinco, entre queijos de cabra, vaca e búfala.
De acordo com ele, a venda de queijos em Salvador começou a surgir com mais força durante a pandemia. "Muitos, assim como entraram, saíram do mercado rapidamente. Como acontece em todo mercado, chegaram também profissionais sem qualificação, trazendo queijos sem regulamentação e sem qualidade. Educamos o consumidor a ficar muito atento a isso. Tem de tudo no mercado, queijos sem qualidade nenhuma sendo vendidos como premiados e artesanais", alerta.
A Lei 13.860, referente à elaboração e comercialização de queijos artesanais, foi desenvolvida em 2019, para categorizar e facilitar a regularização dos vendedores e produtos e garantir que os produtores têm as condições sanitárias ideais para a venda. Ainda assim, a nível estadual, esse é um campo que ainda está se desenvolvendo, visto que o mercado de queijo não era um dos destaques do comércio baiano.
Os selos para oficialização de venda dos queijos artesanais se encaixam no Selo Arte, que possibilita o comércio nacional de produtos alimentícios elaborados de forma artesanal. Para solicitá-lo, é necessário ter cadastro no Sistema de Gestão de Serviços de Inspeção do serviço oficial de inspeção ao qual o estabelecimento está vinculado e também no Sistema de Gestão de Estabelecimentos do local e do produto a ser certificado.
André Teixeira recebeu há apenas dez meses o selo municipal de inspeção de alimentos de origem animal (SIM), que permite a venda dos produtos no município onde são feitos. De acordo com ele, foi o primeiro queijeiro certificado de Santo Amaro, município onde fica sua fazenda.
"Esse certificado, pelo qual eu fiquei muito orgulhoso, foi o certificado 001 da Prefeitura de Santo Amaro, o primeiro que a Prefeitura fez para produtores de queijos artesanais. Isso é um ponto extremamente importante, que pode te dar um destaque, além da função principal de controlar e inspecionar a produção. A partir do momento que você tem uma certificação, você é obrigado a cumprir uma série de requisitos e procedimentos, que são essenciais", afirma.
Segundo o queijista Frederico, ainda existem empecilhos para que os queijos sejam vendidos para todo o estado, e ainda mais para todo o Brasil. Ele explica que isso acontece porque, de 1950 a 2019, não existia uma lei federal que reconhecesse a produção artesanal até o surgimento do Selo Arte, concedido pelas Agências de Defesa Estaduais. No caso da Bahia, a ADAB.
"O setor precisa ser olhado de frente e dar oportunidade para que os produtores tenham acesso à certificação. Alguns municípios estão formando consórcios para conseguir o selo de inspeção municipal, mas esse selo ainda não atende a todos, porque um queijo que é produzido com todas exigências do SIM em Lauro de Freitas não pode ser vendido em Salvador, por exemplo", diz.
A próxima premiação para produtores de queijos artesanais é o concurso internacional de queijos na Expoqueijo, em Araxá (MG), que será realizado de 24 a 30 de agosto. O Sebrae Bahia vai conduzir queijeiros baianos para o concurso, que está com inscrições abertas, feitas através do e-mail [email protected]. Os produtores baianos terão, ainda, a oportunidade de fazer um curso sobre fabricação de queijos, na Serra da Canastra.
O Sebrae enviará nova missão de produtores do setor para Campina Grande (PB) em outubro. De acordo com a entidade, o próximo Enel promoverá concurso de queijos artesanais para produtores do Nordeste, dentre outras atividades.
Em Salvador, diversos empórios e lojas especializadas têm em suas geladeiras os queijos reconhecidos nacionalmente. Confira algumas das opções:
*Orientada pela chefe de reportagem Perla Ribeiro