Das 229 cidades baianas que perderam população, segundo o Censo 2022, 105 vão ter perdas de receitas. No entanto, nem todas as cidades serão impactadas da mesma forma. Camacan, Macaúbas, Maragogipe, Simões Filho e Ubatã vão ter cortes mais severos. Isso acontecerá, pois o número de habitantes é critério para os repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), que é a maneira como a União distribui verbas para as cidades brasileiras.
Cada faixa populacional corresponde a um determinado coeficiente. Das 105 cidades que vão perder receitas, 100 caíram apenas uma faixa populacional ou um coeficiente, o que representa uma queda de receita de R$ 4,5 milhões no ano para cada município afetado. Já Camacan, Macaúbas, Maragogipe, Simões Filho e Ubatã caíram em duas faixas, de acordo com os cálculos da União dos Municípios da Bahia (UPB).
Logo, R$ 9 milhões serão perdidos em cada cidade ou R$ 45 milhões no total. A situação só não é pior por causa da Lei Complementar 198/2023, que determina que as prefeituras terão as perdas mitigadas em dez anos a partir de 2024. De acordo com a Confederação Nacional Dos Municípios (CNM), essa legislação também beneficia imediatamente as 26 cidades da Bahia que tiveram aumento populacional e subiram no coeficiente do FPM.
Nesses casos, os recursos serão incrementados de forma imediata, sem precisar aguardar até 2024. A confederação informou ainda que não divulga dados desse levantamento por Município. No Brasil, são 757 cidades que vão ter redução nos coeficientes do FPM. A Bahia é o estado com mais municípios afetados.
Cientes dessa realidade, algumas prefeituras contestam os resultados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que realiza o Censo. Procurador-Geral de Camacan, Thiago Curvelo entrou com uma contestação administrativa no IBGE e, se for preciso, disse que vai fazer uma ação judicial. Localizada no sul da Bahia, a 520 quilômetros de Salvador, Camacan teve uma redução quase pela metade da sua população em 40 anos.
Em 1980, eram 40,5 mil pessoas. Em 2010, já tinha caído para 31,5 mil habitantes e, em 2022, foram calculadas 22,6 mil pessoas. A situação pegou muita gente de surpresa, pois a estimativa populacional feita pelo IBGE, em 2021, da população de Camacan era de 32 mil habitantes. Por causa disso, a cidade caiu no coeficiente do FPM de 1.6 para 1.2, o que significa uma redução de duas faixas populacionais (cada faixa corresponde a 0.2).
Ao questionar os dados, Curvelo argumenta, por exemplo, que 27,3 mil pessoas da cidade estão cadastradas no Sistema de Informação em Saúde para atenção Básica (Sisab). Ele diz também que a cidade tem particularidades que podem ter prejudicados a metodologia do Censo.
"Há a informação repassada por este Instituto que Camacan possui, aproximadamente, 3 mil imóveis fechados, que eles não conseguiram acessar para entrevistar os proprietários, o que, mais uma vez, confirma a falha da contagem populacional. (...) Tal realidade acabou por prejudicar sensivelmente o município de Camacan, uma vez que sua população não pôde ser aferida de maneira correta, desaguando em um cálculo errôneo"
Conhecida como a Capital do Cacau, no passado, Camacan já foi uma das maiores produtoras do fruto, na década de 1970. No entanto, a cidade foi afetada pela praga da vassoura-de-bruxa e nunca se recuperou. "Tinha muita riqueza do cacau e hoje muitas fazendas estão abandonadas, pois não tem renda", lamentou Claudeci Oliveira Santos, moradora de Camacan e presidente do Sindicato dos Servidores Públicos do Município (Sindserv).
Nos últimos anos, a cidade ainda viu uma fábrica de roupas fechar, em 2016. Hoje, Camacan sobrevive do comércio local, de uma fábrica de calçados e, principalmente, do serviço público. "Muita gente precisa da prefeitura. Se tiver que demitir, vão ser muitas famílias passando fome", disse Claudeci. Seu temor é devido a um possível enxugamento da folha do município.
"Cidades pequenas como Camacan sobrevivem quase que inteiramente desses recursos. Aqui, cerca de 80% da arrecadação é FPM, que é aplicado para tudo, praticamente: pagamento de folha, pavimentação, limpeza pública, saneamento, saúde, educação... com a queda da arrecadação, não vai ter como manter todos os servidores", lamentou o procurador Thiago Curvelo.
Além do FPM, cujos valores caem mensalmente na conta das prefeituras, outras fontes comuns de receita são impostos municipais e outras transferências obrigatórias da União, como os repasses do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef).
A situação ainda é mais preocupante, pois quase metade dos municípios baianos encerraram o primeiro semestre de 2023 com as contas no vermelho, de acordo com a CNM. Para a UPB, as cidades já estão enfrentando dificuldades financeiras devido a oscilação nos repasses do FPM e previsão de queda para o mês de agosto. Uma paralisação municipal no dia 30 de agosto foi marcada para chamar atenção dessa realidade.
Localizada na Região Metropolitana de Salvador (RMS), Simões Filho é a maior cidade baiana que mais vai perder recursos com o Censo. Lá, a população caiu de 118 mil, em 2010, para 114 mil, em 2022. A diferença foi pequena, apenas 4 mil habitantes a menos. O problema, assim como Camacan, é que a pesquisa estimada do IBGE, utilizada para o cálculo do FPM, apontava que a população da cidade, em 2021, seria de 137 mil.
Para o prefeito Diógenes Tolentino (MDB), de Simões Filho, só restou a surpresa. "A gente entrou com um processo questionando os dados. Nossa previsão era alcançar 150 mil habitantes. No CadÚnico, temos 49 mil famílias inscritas. Considerando uma média de três pessoas por família, dá quase 150 mil", disse. O coeficiente do FPM da cidade vai sair de 3.6 para 3.2. "É realmente um impacto profundo nas nossas finanças. Além da falta de planejamento, pois se trabalha com uma cidade com mais habitantes do que o número oficial", afirmou,
Uma das ações que o prefeito disse que deve promover é contratar uma instituição independente para fazer uma espécie de recontagem populacional em Simões Filho. "Se o resultado estiver compatível com o resultado final do IBGE, então tem credibilidade. Mas se aconteceram distorções, é preciso avaliar o que houve", concluiu. Ele não informou se há prazo para a realização dessa recontagem.
Mariana Viveiros, supervisora de Disseminação de Informações do IBGE na Bahia, disse que a recontagem é um direito de cada cidade, mas ressaltou que a atribuição formal de fazer o censo é do IBGE. "E não fazemos de qualquer forma. Usamos metodologias compartilhadas internacionalmente. A gente não faz censo a partir de questões que nós decidimos individualmente ou do que é mais interessante num momento ou no outro", comentou.
Apesar de tentar reverter o número de habitantes, Diógenes Tolentino (MDB) disse que já começou a fazer ajustes para lidar com a nova realidade financeira. "Estamos tomando medidas de contenção e revisando nosso planejamento", garantiu. Quem depende dos serviços públicos teme que isso cause impactos no dia a dia. O auxiliar de logística Wenslon da Silva, 28 anos, tem três filhos que estudam em escolas municipais. "A gente sempre fica com um pé atrás, é claro", disse.
Para o rapaz, a redução na população da cidade pode ser explicada pela dificuldade na oferta de empregos. "Eu tenho vários colegas que saíram daqui, pois foram procurar coisas melhores em outros lugares. Tenho colegas que até saíram do país, foram para Portugal. Eu mesmo fiquei quatro anos desempregado e só arranjei emprego há oito meses", contou.
De acordo com o IBGE, desde 2002 que Simões Filho tinha aumento constante no Produto Interno Bruto (PIB) até chegar à marca de quase R$ 6 bilhões em 2018. Depois disso, o PIB começou a cair para R$ 5,5 bilhões, em 2019, e R$ 5 bilhões, em 2020.
"Mesmo antes da pandemia, a indústria, que já chegou a ser a principal atividade econômica do município, no início dos anos 2000, vinha mostrando uma tendência mais geral de redução do valor gerado: caiu de 2016 para 2017, de 2017 para 2018 e de 2019 para 2020", relatou Mariana Viveiros. Hoje, o setor de serviços é a principal atividade econômica da cidade.
"É claro que a gente tem uma série de cidades médias no entorno de Salvador que atraem população e que crescem muito, mas esse não é o caso de Simões Filho. A cidade tem uma série de desafios de perda de dinâmica econômica e de segurança pública"
Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública revelam que Simões Filho é a 3ª cidade mais violenta do Brasil, atrás apenas de outras duas cidades baianas: Jequié e Santo Antônio de Jesus. Em Simões Filho, foram registrados 87,4 homicídios por 100 mil habitantes, em 2022.
O próprio IBGE teve dificuldades para realizar o censo na cidade por questões de segurança. "Precisamos colocar pessoas do nosso quadro que já conhecem a região, que já fazem outras pesquisas e conhecem os desafios. Tivemos também que negociar entrada em locais onde há dificuldades com a segurança pública, mas conseguimos finalizar. E temos confiança nos resultados", afirmou Viveiros.
A supervisora de Disseminação de Informações do IBGE na Bahia informou ainda que entende as preocupações das prefeituras. "Elas estão muito preocupadas com os recursos e não existe nenhum julgamento nisso. É uma preocupação justa, pragmática, de algo que afeta a vida delas. Mas o censo não é um mecanismo para as prefeituras ganharem mais ou menos dinheiro", explicou.
Sobre o argumento usado de que as populações das cidades deveriam ser maiores com base na quantidade de famílias cadastradas no CadÚnico ou pacientes cadastrados no SUS, ela disse que, apesar de importantes, esses dados não servem para contar pessoas. "Cadastros podem ter erros, podem ser duplicados, podem não ter datas de referência. Tem pessoas que têm cadastro no SUS de um município e não mora mais lá, por exemplo", apontou.
A especialista disse ainda que o correto, do ponto de vista demográfico, é comparar censo com censo. Não censo com estimativa, como é feito para saber a perda de recursos das cidades, uma vez que o Tribunal de Contas da União (TCU) utiliza dados da estimativa populacional.
"Isso porque a estimativa é um cálculo demográfico (logo, não é resultado de pesquisa de campo), que se baseia, sobretudo, na evolução da população entre os dois censos mais recentes e repete um fator anualmente, até que surja um novo dado censitário ou de contagem - ou que haja alguma mudança legal, por exemplo, de território, com ganho/perda de área que implica ganho/perda de população", afirmou.
Segundo Mariana, o método de estimativa do IBGE prevê ainda uma contagem populacional no meio da década entre os censos, o que não ocorreu. "Ou seja, as estimativas anuais estavam sabidamente desatualizadas e descoladas da realidade, que só pode ser de fato "medida" pelo censo", informou.
O CORREIO não conseguiu contato com a prefeitura de Ubatã e não obteve retorno das prefeituras de Macaúbas e Maragogipe. A prefeitura de Salvador também foi questionada sobre se a capital baiana também com perdas de recursos no FPM, mas não houve retorno.
Fonte: Correio da Bahia