Governo Lula deve ser palco das disputas populares no campo da educação

Após cinco meses de governo, os trunfos e as dificuldades postas retratam o desdobramento do cenário pós golpe de 2016

Por A VOZ DA REGIÃO em 18/06/2023 às 11:52:26
Caminhos que estão ajudando a sustentar a democracia agora, foram plantados há quase 20 anos, com as políticas educacionais - Foto: Ana Keil / Equipe de Comunicação do Levante Popular da Juventude

Caminhos que estão ajudando a sustentar a democracia agora, foram plantados há quase 20 anos, com as políticas educacionais - Foto: Ana Keil / Equipe de Comunicação do Levante Popular da Juventude

Nos últimos meses, três aspectos ajudaram a colocar a educação no centro do debate nacional. A começar pelos terríveis casos de violências nas escolas, em Blumenau e em São Paulo, seguidos pelas mobilizações pela revogação do Novo Ensino Médio. Por fim, o mais recente, a disputa para saber se a proposta da nova versão do arcabouço fiscal vai inserir ou não os recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) no arrocho. Verificamos também algumas movimentações grevistas por direitos dos profissionais da educação, mas estes embates se encontram mais localizados nas esferas estaduais.

Assim, enfatizar as demandas urgentes e necessárias deve ser tarefa de quem luta por uma educação de qualidade. Afinal, são mais de 500 anos de história que a educação por aqui não é tratada de forma favorável as classes e grupos dominados. Parte da população sequer reivindica este direito básico, pois a negação é regra e não exceção.

O grande pano de fundo da conjuntura são os confrontos entre classes sociais distintas, frações de classes, a condensação de forças em torno do Estado e o bloco no poder do governo Lula. As contradições geradas, nesta movimentação política, precisam ser entendidas e ações estratégicas devem ser cirúrgicas.

Após um pouco mais de 5 meses de governo, os trunfos e as dificuldades postas retratam o desdobramento político do cenário pós-golpe de 2016. O Brasil mudou bastante, desde o primeiro governo Lula, em 2003-2010. Aquele ciclo de maior otimismo e prosperidade foi duramente abalado com políticas pesadas de austeridade fiscal, judicialização da política, perdas de direitos sociais e trabalhistas. Para culminar, o Brasil testemunhou a ascensão fascista-bolsonarista, desde as jornadas de junho de 2013.

O retrato disto se revela no desenho do Congresso Nacional atual (principalmente na Câmara dos Deputados). A força do contexto é tamanha que uma abrangente aliança político-eleitoral foi imperativa para derrotar Bolsonaro no pleito de 2022. As bases políticas de negociação do governo estão mais complexas e difíceis agora, o campo conservador adquiriu uma enorme musculatura e a polarização social é contundente.

Deste modo, a transição rumo a um projeto democrático popular de país, está bastante acirrada, demandando empenho e participação política das classes populares para modular outra correlação de forças. Entendendo que o campo progressista se encontra em uma posição desfavorável para construção de reivindicações e mobilizações, sobretudo pela situação econômica que consome a vida e a saúde do pobre, o papel do governo como um agente político privilegiado ganha destaque.

Nos dois espaços, as pautas populares encontram desvantagem, tanto porque os conservadores lidam melhor com as redes e não têm nenhum compromisso com uma educação pública, gratuita, laica e de qualidade, quanto porque a imprensa abraça o reformismo empresarial na educação. Se a própria Rede Globo, por exemplo, se posicionou contra Bolsonaro, em 2022, e foi um organismo importante na ocasião, agora eles atacam o governo Lula diariamente.

Pedagogia do medo

Traçado este quadro, mergulho na temática educacional propriamente dita, a começar pela questão da violência nas escolas. Inúmeras armadilhas estão sendo construídas, ganhando projeção no senso comum, pois o medo de ameaça aos nossos filhos encontra ampla margem no imaginário social e nas manchetes de jornais. Prontamente, a classe política trata de angariar isto às suas narrativas, apresentando propostas, algumas delas bastante controversas e infundadas. É a pedagogia do medo.

Neste processo, uma convergência se forma: a necessidade de não fazer mais vítimas. O contrassenso se encontra em algumas soluções ventiladas, que podem ser armadilhas para as escolas e para a educação como um todo. Em investigações anteriores que desenvolvo, já era possível perceber a aparição esporádica de projetos de leis, em câmaras municipais, com tom policialesco. Ou seja, não estamos falando de nada novo.

O caso que mais chamava a atenção era a proposta de instalar detector de metais nas escolas. Como era de se imaginar, após escalada da violência nestas instituições, este projeto e mais outros ganharam sobrevida, a exemplo da ideia de fortalecer rondas escolares (da Polícia Militar ou de guardas municipais), instalar botão do pânico, treinar as equipes pedagógicas com táticas de proteção e autodefesa etc. As boatarias que sucederam os dias dos ataques corroboraram para criar um ambiente próspero para estas ideias. Com o passar de alguns dias, a mídia e as redes sociais "esfriaram" um pouco tais iniciativas. Porém, nos bastidores de espaços legislativos, projetos de lei estão sendo disputados com essa tônica.

De olho nas eleições municipais de 2024, o campo conservador certamente deve manter o debate acalorado ou reativá-los. Vai ser bastante desafiador contornar o caráter dissimulado que será produzido.

Setores especialistas na temática, da sociedade civil, também foram escutados, resultando na proposta de governo de injeção de recursos para combater futuras ameaças potenciais. Houve foco também na prevenção, todavia, merece enaltecimento o tom empregado de que não se combate a violência fazendo guerra. O peso na cultura da paz também foi assertivo.


ANÁLISE

Governo Lula deve ser palco das disputas populares no campo da educação

Após cinco meses de governo, os trunfos e as dificuldades postas retratam o desdobramento do cenário pós golpe de 2016

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Caminhos que estão ajudando a sustentar a democracia agora, foram plantados há quase 20 anos, com as políticas educacionais - Foto: Ana Keil / Equipe de Comunicação do Levante Popular da Juventude

Nos últimos meses, três aspectos ajudaram a colocar a educação no centro do debate nacional. A começar pelos terríveis casos de violências nas escolas, em Blumenau e em São Paulo, seguidos pelas mobilizações pela revogação do Novo Ensino Médio. Por fim, o mais recente, a disputa para saber se a proposta da nova versão do arcabouço fiscal vai inserir ou não os recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) no arrocho. Verificamos também algumas movimentações grevistas por direitos dos profissionais da educação, mas estes embates se encontram mais localizados nas esferas estaduais.

Assim, enfatizar as demandas urgentes e necessárias deve ser tarefa de quem luta por uma educação de qualidade. Afinal, são mais de 500 anos de história que a educação por aqui não é tratada de forma favorável as classes e grupos dominados. Parte da população sequer reivindica este direito básico, pois a negação é regra e não exceção.

O grande pano de fundo da conjuntura são os confrontos entre classes sociais distintas, frações de classes, a condensação de forças em torno do Estado e o bloco no poder do governo Lula. As contradições geradas, nesta movimentação política, precisam ser entendidas e ações estratégicas devem ser cirúrgicas.

Após um pouco mais de 5 meses de governo, os trunfos e as dificuldades postas retratam o desdobramento político do cenário pós-golpe de 2016. O Brasil mudou bastante, desde o primeiro governo Lula, em 2003-2010. Aquele ciclo de maior otimismo e prosperidade foi duramente abalado com políticas pesadas de austeridade fiscal, judicialização da política, perdas de direitos sociais e trabalhistas. Para culminar, o Brasil testemunhou a ascensão fascista-bolsonarista, desde as jornadas de junho de 2013.

O retrato disto se revela no desenho do Congresso Nacional atual (principalmente na Câmara dos Deputados). A força do contexto é tamanha que uma abrangente aliança político-eleitoral foi imperativa para derrotar Bolsonaro no pleito de 2022. As bases políticas de negociação do governo estão mais complexas e difíceis agora, o campo conservador adquiriu uma enorme musculatura e a polarização social é contundente.

Deste modo, a transição rumo a um projeto democrático popular de país, está bastante acirrada, demandando empenho e participação política das classes populares para modular outra correlação de forças. Entendendo que o campo progressista se encontra em uma posição desfavorável para construção de reivindicações e mobilizações, sobretudo pela situação econômica que consome a vida e a saúde do pobre, o papel do governo como um agente político privilegiado ganha destaque.

Nos dois espaços, as pautas populares encontram desvantagem, tanto porque os conservadores lidam melhor com as redes e não têm nenhum compromisso com uma educação pública, gratuita, laica e de qualidade, quanto porque a imprensa abraça o reformismo empresarial na educação. Se a própria Rede Globo, por exemplo, se posicionou contra Bolsonaro, em 2022, e foi um organismo importante na ocasião, agora eles atacam o governo Lula diariamente.

Pedagogia do medo

Traçado este quadro, mergulho na temática educacional propriamente dita, a começar pela questão da violência nas escolas. Inúmeras armadilhas estão sendo construídas, ganhando projeção no senso comum, pois o medo de ameaça aos nossos filhos encontra ampla margem no imaginário social e nas manchetes de jornais. Prontamente, a classe política trata de angariar isto às suas narrativas, apresentando propostas, algumas delas bastante controversas e infundadas. É a pedagogia do medo.

Neste processo, uma convergência se forma: a necessidade de não fazer mais vítimas. O contrassenso se encontra em algumas soluções ventiladas, que podem ser armadilhas para as escolas e para a educação como um todo. Em investigações anteriores que desenvolvo, já era possível perceber a aparição esporádica de projetos de leis, em câmaras municipais, com tom policialesco. Ou seja, não estamos falando de nada novo.

O caso que mais chamava a atenção era a proposta de instalar detector de metais nas escolas. Como era de se imaginar, após escalada da violência nestas instituições, este projeto e mais outros ganharam sobrevida, a exemplo da ideia de fortalecer rondas escolares (da Polícia Militar ou de guardas municipais), instalar botão do pânico, treinar as equipes pedagógicas com táticas de proteção e autodefesa etc. As boatarias que sucederam os dias dos ataques corroboraram para criar um ambiente próspero para estas ideias. Com o passar de alguns dias, a mídia e as redes sociais "esfriaram" um pouco tais iniciativas. Porém, nos bastidores de espaços legislativos, projetos de lei estão sendo disputados com essa tônica.

De olho nas eleições municipais de 2024, o campo conservador certamente deve manter o debate acalorado ou reativá-los. Vai ser bastante desafiador contornar o caráter dissimulado que será produzido.

Setores especialistas na temática, da sociedade civil, também foram escutados, resultando na proposta de governo de injeção de recursos para combater futuras ameaças potenciais. Houve foco também na prevenção, todavia, merece enaltecimento o tom empregado de que não se combate a violência fazendo guerra. O peso na cultura da paz também foi assertivo.

A questão fundamental que está em jogo neste processo é que vivemos no Brasil, recentemente, uma escalada da violência, em múltiplos aspectos, assim como parte significativa da juventude se encontra em condição de falta de perspectiva de vida. Deste modo, setores do campo conservador-autoritário-fascista, que são diretamente responsáveis pelo acirramento dos ânimos no país, aproveitam o clima de tensão para aumentar a dose do discurso da opressão como alternativa inevitável. Cabe aos educadores, subsidiados por políticas públicas consistentes, demonstrar que uma alternativa à ascensão da violência é debater com profundidade as causas destes fenômenos.

Ainda que de forma atravessada, um elemento que se revelou crucial para pensar a temática da violência é o papel das redes sociais na construção da subjetividade da juventude. No dia 1º de maio, o Google elaborou uma espécie de editorial, na sua página principal, destacando que o projeto de lei de combate às fake news (PL 2.630), segundo eles, pioraria a internet.

Com este posicionamento descabido e mentiroso, a gigante da internet demonstrou sua face colaborativa com as fake news. Após a ascensão fascista no Brasil, uma atitude com tal conotação colabora com toda movimentação golpista, autoritária, extremista, antipolítica e pouco preocupada com as verdades dos fatos. Considerando que este campo político vem angariando muitos jovens, o assunto ganha teor de urgência. Preocupa o manejo do conjunto de dados de estudantes e educadores deste país que esta empresa tem, após aproximadamente dois anos de amplas atividades remotas na pandemia da covid-19.

Novo Ensino Médio

Tratando agora de outro tema central da conjuntura, a disputa de hegemonia sobre o Novo Ensino Médio (NEM) tem no bloco no poder do governo Lula um fator chave para o andamento da reforma. O governo apostou no Movimento Todos pela Educação TPE) como um agente de destaque na composição do Ministério da Educação. Tanto este movimento quanto parte considerável dos secretários de educação dos estados, assim como outras frações burguesas, também defendem o NEM.

Frações da burguesia reivindicam o seu espaço, o que é legítimo na disputa política. O Movimento Todos pela Educação tem um peso neste processo, pois representa uma possibilidade de construção de sustentação política do governo frente ao setor econômico. Além do mais, a proximidade deles com o MEC, nas administrações petistas, já vem de longa data.

O TPE é uma das poucas frações burguesas dispostas a bancar o governo no debate público, algo que o PT não vem encontrando tanta facilidade desde o golpe de 2016. Este movimento se posicionou contra o governo Bolsonaro desde o início, o que o credencia como um movimento distinto de parte importante de frações burguesas no Brasil, que aderiram ao bolsonarismo.

É inegável também que o ministro da Educação, Camilo Santana, apresenta uma afinidade com o modus operandi da agenda do TPE. Desta forma, a construção de uma política governamental nestes moldes encontra muitas convergências.

O próprio Lula parece não se opor frontalmente ao desenho político-pedagógico do Novo Ensino Médio. Uma hipótese é que tal proposta se afina, de algum modo, com a trajetória dele, de qualificação profissional seguida de mobilidade social via ensino técnico.


Fonte: A Voz da Região / Brasil de Fato

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