Após o presidente Jair Bolsonaro (PL) vetar nesta terça-feira (13) o projeto de lei que proibiria a chamada "arquitetura hostil", construções feitas para afastar pessoas do espaço público, entre elas as de situação de rua, o Padre Júlio Lancellotti afirmou ao g1 nesta quarta-feira (14) que espera que a decisão presidencial seja derrubada assim que for enviada para o Congresso Nacional.
Se os parlamentares derrubarem, o texto é promulgado pelo próprio Congresso e se torna lei.
"O veto da lei pelo presidente Bolsonaro era de certa forma esperado por ser uma lei de humanização da vida que supera a hostilidade e aponta para a necessidade da hospitalidade. Espero que, como a lei foi aprovada com grande apoio do Congresso Nacional, tanto no Senado quanto na Câmera Federal, que o veto possa ser derrubado para que possamos dar um passo importante na humanização da vida e no acolhimento das pessoas", enfatiza.
O projeto levou, no Congresso Nacional, o apelido de "Lei Padre Júlio Lancellotti". Ele trata especificamente de instalações em áreas públicas que são feitas pela prefeitura ou por associações de moradores, por exemplo.
Entre os exemplos estão os espetos pontiagudos instalados em fachadas comerciais, pavimentação irregular, pedras ásperas, jatos de água, cercas eletrificadas ou de arame farpado e muros com cacos de vidro.
O texto não proíbe instalações similares em espaços privados, como as cercas elétricas de condomínios ou as grades pontiagudas de lotes residenciais.
A Câmara dos Deputados chegou a aprovar o projeto, de forma simbólica, no dia 22 de novembro deste ano. Ele também já havia sido aprovado pelo Senado.
"A luta continua. Vamos lutar para que o veto seja derrubado", disse.
No ano passado, o padre Júlio viralizou nas redes sociais ao protagonizar uma cena em que tentava quebrar pedras instaladas pela prefeitura de São Paulo embaixo de um viaduto. Também em 2021, o Papa Francisco denunciou a chamada "arquitetura hostil" contra os mais pobres.
Segundo material divulgado pelo governo federal, o veto de Bolsonaro "preserva a liberdade de governança da política urbana".
De acordo com o governo, Bolsonaro decidiu barrar o texto por avaliar que o projeto "poderia ocasionar uma interferência na função de planejamento e governança local da política urbana, ao buscar definir as características e condições a serem observadas para a instalação física de equipamentos e mobiliários urbanos, a fim de assegurar as condições gerais para o desenvolvimento da produção, do comércio e dos serviços".
O Palácio do Planalto argumenta, ainda, que a expressão "técnicas construtivas hostis" poderia gerar insegurança jurídica "por se tratar de um conceito ainda em construção".
A proposta altera o Estatuto da Cidade para proibir "o emprego de materiais, estruturas equipamentos e técnicas construtivas hostis que tenham como objetivo ou resultado o afastamento de pessoas em situação de rua, idosos, jovens e outros segmentos da população."
O texto também inclui como diretriz geral da política urbana a promoção de conforto, abrigo, descanso, bem-estar e acessibilidade na fruição dos espaços livres de uso público, de seu mobiliário e de suas interfaces com os espaços de uso privado."
O padre Júlio Lancellotti, coordenador da Pastoral do Povo de Rua da Arquidiocese de São Paulo — Foto: João Damásio/O Fotográfico/Estadão Conteúdo
Relator na Câmara, o deputado Joseildo Ramos (PT-BA) afirmou em seu parecer que a pandemia da Covid-19 agravou o distanciamento entre os espaços públicos e pessoas em situação de rua.
Paralelamente, segundo o parlamentar, passou a ser mais evidente a adoção de métodos e materiais para afastar as pessoas dos espaços públicos – técnicas que, o deputado ressalta, resultam em "segregação social".
"Infelizmente, o Brasil possui exemplo de aplicações dessas técnicas, as quais vêm sendo implantadas pelo menos desde 1994, quando aqui surgiu a expressão 'arquiteturas antimendigo'", escreveu em seu relatório.
Para o deputado, as medidas são "extremistas, hostis e cruéis para todos os ocupantes da cidade" e "privilegiam o isolamento, o desconforto, o medo e, com isso, estimulam a violência".
Padre Júlio Lancellotti, coordenador da Pastoral do Povo da Rua, quebrou paralelepípedos a marretadas em 2021 — Foto: Reprodução/Instagram
Padre Júlio Lancelotti quebra a marretadas pedras instaladas em frente de biblioteca em SP — Foto: Arquivo Pessoal/Rodrigo Jalloul
Fonte: A Voz da Região / g1.globo.com