Domésticas informais são maioria na Bahia: 85% não possuem carteira assinada

Em 2020, percentual era 75%

Por A Voz da Região em 27/04/2022 às 11:09:08
(Shutterstock/reprodução)

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Nesta quarta-feira (27), é o Dia das Empregadas Domésticas, mas a categoria não tem nada a comemorar. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), até o final de 2021, 325 mil profissionais desse setor na Bahia não tinham carteira assinada, o que representa 85% do total, que é de 381 mil pessoas. Em 2020, essa porcentagem era de 75% (dos 295 mil, 233 mil não tinham carteira assinada).

Os números mostram um aumento de 29% de 2020 para 2021 na quantidade de trabalhadores domésticos na Bahia, mas um aumento ainda maior, de 39%, na parcela desses profissionais sem carteira assinada de um ano para o outro.

A advogada Cínzia Barreto, diretora-geral da Escola Superior da Advocacia (ESA) e conselheira seccional da OAB-BA, diz que a categoria tem como maioria mulheres pobres e negras e explica que as irregularidades estão ligadas à situação econômica do país.

"Essa categoria reflete muito bem a nossa desigualdade social. São profissionais que não têm outras oportunidades de trabalho. Quanto mais o PIB do país cai, mais trabalhadores domésticos nós temos. Quanto mais desemprego, mais pessoas se submetem a esse tipo de função. E, consequentemente, mais violações de direitos acontecem".

A procuradora do Ministério Público do Trabalho Manuella Gedeon concorda. "A informalidade cresce na crise econômica porque a formalidade significa, querendo ou não, despesa. Temos mais pessoas na pobreza precisando de emprego e recorrendo ao trabalho doméstico e menos pessoas com condições de pagar todos os direitos como manda a lei. Mas lógico que isso explica, mas não justifica".

Dona Gilda trabalhou quatro anos sem carteira porque ex-empregador achava 'complicado' recolher INSS

(Foto: Acervo Pessoal)

Gilda Giselia dos Santos, 65 anos, trabalhou como empregada doméstica sem carteira assinada durante quatro anos. Segundo ela, durante um período o ex-empregador achava o processo de pagamento mensal do INSS incômodo e por isso não assinava a carteira dela. Depois, com a carteira já assinada, ela permaneceu mais oito anos no emprego. Hoje, ela ainda está na ativa como diarista, mas acha importante a segurança de ter os direitos trabalhistas garantidos. "Trabalhar com carteira assinada é uma coisa e como diarista é outra. A gente ganha mais, mas não tem direito a nada", afirma.

Campanha

A Superintendência Regional do Trabalho na Bahia (SRTb/BA) há um ano realiza o Projeto de Combate à Exploração do Trabalho Doméstico. São recebidas denúncias e uma equipe fica responsável pela fiscalização. De acordo com o órgão, as principais irregularidades em 2021 foram: extrapolação dos limites de jornada, falta de registro de vínculo empregatício, ausência de recolhimento de FGTS e falta de entrega aos trabalhadores do recibo de salário.

A secretária-geral do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos da Bahia, Milca Martins, acrescenta que, em muitos casos, os direitos trabalhistas são negados inclusive por empregadores instruídos e com condições financeiras. "Tem o caso da mãe do menino Miguel, em Recife e também aqui o da babá que se jogou do apartamento no Imbuí. É uma questão que vai além mesmo, ouvimos relatos absurdos aqui. São empregadas queimadas, agredidas, abusadas", enumera.

"É uma categoria que vem de uma origem de senzala, com raízes no trabalho escravo. Sempre se tratou o trabalhador doméstico no Brasil como um objeto, numa relação de posse. Aí entram questões mais complicadas, como assédio moral, assédio sexual e o trabalho infantil. É muito comum, principalmente no interior, o tráfico de meninas", acrescenta Cínzia.

Em 2021, de acordo com SRTb/BA, foram 25 denúncias sobre trabalho doméstico análogo à escravidão. Este ano, já são 10 denúncias do mesmo tipo. "Geralmente são casos que começam com o trabalho infantil doméstico. Mulheres que deixam de viver a própria vida, se afastam de suas famílias, muitas vezes perdendo totalmente os vínculos, tendo em vista a jornada exaustiva a que são submetidas, sem a concessão de descanso semanal, intervalo e sem nunca gozar férias", analisa a Auditora-Fiscal do Trabalho, Liane Durão.

Admar Fontes, coordenador da Comissão estadual para erradicação do trabalho escravo (Coetrae-BA), e assessor da Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social da Bahia (SJDHDS), diz que todas as vítimas resgatadas em situações ilegais de trabalho doméstico são mulheres negras com mais de 30 anos de vínculo com a família empregadora.

"É uma situação delicada porque há a construção de um vínculo. Em muitos casos, as vítimas acreditam que é uma situação de normalidade, que não tem nada de errado ali porque recebem moradia e comida em troca do trabalho. Elas são levadas a acreditar que, de fato, são parte da família. Mas que família é essa? Aí fazemos todo um trabalho de explicar que há um abuso, há violência psicológica, que elas têm direitos que foram violados", diz Admar Fontes.

O emprego doméstico e a pandemia

Em abril do ano passado, uma série de reportagens do CORREIO sobre a realidade das empregadas domésticas durante a pandemia expôs situações como confinamento, abusos e falta de direitos trabalhistas. Muitos patrões alegaram "medo de contaminação" e obrigaram as funcionárias a permanecerem nos locais de trabalho sem poder voltar para casa porque como muitas moram em bairros periféricos e usam transporte público, passaram a ser vistas como ameaças, suspeitas de carregar o vírus e contaminar as famílias para as quais trabalhavam.

A procuradora do Ministério Público do Trabalho, Manuella Gedeon, destaca que a pandemia configurou um novo quadro para o trabalho doméstico, afetando a liberdade das trabalhadoras. "Muitos empregadores exigiam que elas ficassem no trabalho sem ir para casa, configurando jornadas exaustivas totalmente fora da lei. Isso tudo fez com que as denúncias aumentassem e, por isso, os resgates cresceram".

Para a advogada Cínzia Bezerra, um grande obstáculo é a dificuldade de fiscalização. "Trata-se de um ambiente doméstico, ou seja, a Constituição não permite que fiscais entrem de qualquer maneira nas casas. Se você avisa que vai fazer uma visita, essa visita, em caráter de fiscalização, perde o efeito. Para se conseguir entrar, é preciso mandado, ordem judicial. Fora que é uma quantidade enorme de ambientes. Aí o que mais vemos são as intervenções via denúncia, mas elas são ainda muito poucas e isso é compreensível porque os empregados têm medo ou falta instrução mesmo", diz.

PEC das Domésticas

A profissão passou por regulamentação e ampliação de benefícios a partir da Lei Complementar nº 150, de 1º de junho de 2015. Conhecida como a PEC das Domésticas, ela deu mais direitos à empregada doméstica e aos demais trabalhadores registrados com carteira assinada (em regime CLT). Entre esses direitos estão: jornada de trabalho máxima de 44 horas semanais, salário mínimo, hora extra e décimo terceiro salário, assim como férias, descanso semanal remunerado, seguro-desemprego e FGTS.

Mas, para a advogada Cínzia Barreto, a PEC das Domésticas não resolveu o problema e ainda há muitos obstáculos a serem enfrentados. "A Lei Complementar número 150, de junho de 2015, representa um avanço importante no sentido de regulamentar o trabalho doméstico, mas ela veio com um atraso muito grande porque, na Constituição Federal de 1988, os direitos dos trabalhadores domésticos foram negligenciados. Então a PEC das Domésticas foi um avanço, mas não fez milagre", finaliza.

Quais as punições para o descumprimento das leis?

Toda trabalhadora que presta serviço por mais de dois dias na semana na residência do empregador enquadra-se como empregada doméstica, logo, deve ter registro em carteira, elaboração de contrato de trabalho e inscrição no eSocial Doméstico. Estes são os passos básicos previstos na legislação para o registro da empregada doméstica. Vale lembrar a diferença entre Diarista e Empregada Doméstica. A diarista não precisa ser registrada, mas só pode trabalhar no máximo dois dias na mesma semana.

Ao manter a doméstica sem carteira assinada, o empregador corre o risco de processos trabalhistas, vindo tanto da doméstica quanto do Ministério do Trabalho, e o pagamento de multas. Após a reforma trabalhista, os valores das multas podem variar de R$ 800,00 a R$ 3.000,00 para casos de reincidência. Na situação do empregador manter a doméstica sem registro no sistema do eSocial Doméstico, fica passível ao pagamento de multa de R$ 402,53 a R$ 805,06 por empregado. Em caso de reincidência, o valor da multa pode dobrar.

Os direitos dos trabalhadores domésticos:

  • Salário mínimo conforme o piso da categoria no seu Estado;
  • Controle o máximo de 44 horas semanais;
  • Direito a 1 hora de almoço por dia;
  • Férias após um ano de serviço;
  • 13º salário;
  • Vale-transporte;
  • Aposentadoria;
  • Aviso prévio;
  • Banco de horas;
  • Adicional noturno;
  • Licença maternidade;
  • Seguro-desemprego;
  • Hora extra remunerada;

Como denunciar?

Sindicato dos Trabalhadores Domésticos do Estado da Bahia:
[email protected]
(71)3334-1734
Avenida Vasco da Gama, 682, Edf. Juremeiro, 1º Andar. (Sentido Rio Vermelho – Ogunjá da Vasco da Gama, após Hospital Geral do Estado e Ladeira do Acupe, prédio à direita, 50 m antes da entrada da Ogunjá. Sentido Dique – Rio Vermelho, fica após o Vale da Muriçoca, no sentido contrário)

Projeto da Seção de Inspeção do Trabalho da Superintendência Regional do Trabalho na Bahia (SRTb/BA):
Plantão remoto da Inspeção do Trabalho, pelo telefone (71) 3329-8402, para tirar dúvidas e registrar denúncias excepcionalmente em relação ao trabalho doméstico.

Ministério Público do Trabalho (MPT)
https://peticionamento.prt5.mpt.mp.br/denuncia

Justiça do Trabalho
(71) 3284-6880 / 3284-6881 / 3284-6882
https://www.trt5.jus.br/ouvidoria

Fonte: A Voz da Região / Correio24horas

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