O baiano que abre a válvula do botijão de gás para preparar café da manhã, almoço ou janta faz isso contando os minutos para fechá-la. Não é para menos: em dois anos, o preço do gás de cozinha (GLP) comercializado no estado dobrou. Com o quarto reajuste do ano confirmado pela Acelen, empresa responsável pela Refinaria de Mataripe, entrando em vigor nesta sexta-feira (1°), o valor médio do gás vendido em Salvador e Região Metropolitana (RMS) passa a ser de R$ 125, de acordo com o Sindicato dos Revendedores de Gás do Estado (Sinrevgas). Em julho de 2020, um botijão saía das revendedoras por R$ 58. No meio do caminho de crescimento, no mês de julho do ano passado, o valor médio era de R$ 82.
Comparando a média projetada pelo sindicato com as de outras capitais registradas pela Agência de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) entre os dias 19 e 26 de junho, a capital baiana tem o gás mais caro do Nordeste e o sexto GLP mais caro do país, atrás de Rio Branco, Cuiabá, Macapá, Porto Velho e Boa vista. No interior, por conta da logística de transporte do produto que sai da região de Candeias, o preço pode ser ainda maior. Em julho de 2020, um botijão saía das revendedoras por R$ 58. No meio do caminho de crescimento, no mês de julho do ano passado, o valor médio era de R$ 82.
Ainda segundo o Sinrevgas, no mesmo momento em que a refinaria aumenta o valor do produto, toda a cadeia vai repassar o valor de maneira integral. Ou seja, já nesta sexta-feira, distribuidoras vão aumentar os preços para os revendedores que, por sua vez, farão o mesmo para o consumidor. "Não tem como segurar, nem absorver esse reajuste. Distribuidoras e revendedores têm uma margem mínima de lucro para continuar existindo. Portanto, o repasse será imediato e o consumidor. O valor médio de R$ 120 que estava sendo praticado deve ficar entre R$ 125 e R$ 130", explica Robério Souza, diretor do Sinrevgas.
Procurada para explicar detalhes do reajuste, a Acelen informou que os preços dos produtos produzidos pela Refinaria de Mataripe seguem critérios de mercado que levam em consideração variáveis como custo do petróleo, que é adquirido a preços internacionais, dolar e frete.
Repasse integral
O Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Gás Liqüefeito de Petróleo (Sindigás), que responde pelas distribuidoras baianas, foi procurado para confirmar o repasse imediato, mas não retornou até o fechamento desta matéria. Todas as cinco revendedoras consultadas pela reportagem - duas delas do grupo Ultragás - garantiram que o reajuste também chegará para o consumidor. "Em teoria, poderia não chegar de imediato se ainda tivéssemos estoque adquirido antes do aumento. Porém, como estamos com botijões vazios e a empresa fechada por isso no momento, o valor já vai ser repassado a partir da chegada de um novo estoque", fala Vaston Ribeiro Costa, proprietário da Ultragás do bairro Engenho Velho da Federação, tem Salvador.
Péssima notícia para a professora Maria Cabral, 56 anos, que vai precisar de mais estratégias para reduzir o impacto do gás de cozinha nos gastos mensais. Ela já come, junto com o marido, através de serviço de marmita. Agora, quer limitar ainda mais o uso do fogão. "Há um tempo que, na ponta do lápis, evitar ao máximo o uso do fogão é necessário. Tanto que não fazemos almoço lá em casa, o que faz um botijão durar cerca de três meses. Como cada um está custando mais de R$ 100, reduzir o tempo de uso é essencial. Por isso, a gente almoça de marmita e também come muita fruta, que não precisa de um preparo no fogão. Para nós, compensa muito", fala ela.
Revendedoras que estão sem estoque de botijões comprados no preço antigo vão repassar ao consumidor o gás já com aumento (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) |
A produtora rural Vera Benigno, 48, mora em Itapetinga, no sudoeste da Bahia, onde o impacto deve ser maior pelo transporte do gás. De acordo com ela, a situação agrava problemas em casa e para conhecidos. "Compromete muito, não imaginava a possibilidade de ter que comprar um botijão de gás por tão caro. Você ter que soltar R$ 120 em cada um é um peso grande. Aqui em casa vamos sentir e ter que nos virar, mas conheço gente que fechou restaurante e lanchonete por isso. Hoje, o custo que a gente tem para comer é absurdo, vai embora boa parte do que ganhamos", diz Vera.
Alimentação cara
Enquanto o botijão de gás chega a um custo médio de R$ 125, a cesta básica é comprada por R$ 578,88 em Salvador, de acordo com a última Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), que foi publicada em maio. A capital baiana foi uma das três capitais do Brasil a registrarem um aumento percentual da cesta, com 0,53%. Belém e Recife registraram, respectivamente, 2,99% e 2,26% de aumento. Considerando o gás como parte essencial para a alimentação, apenas para comer, quem mora em Salvador gastaria R$ 703,08 caso comprasse um gás e uma cesta. O valor representa 58% do salário mínimo, que está fixado em R$ 1.212,00.
Um custo que, para o planejador financeiro Raphael Carneiro, é muito elevado considerando a situação geral das famílias, que contam com muitas pessoas desempregadas. Ele aponta que o problema cria uma bola de neve na vida financeira das pessoas. "O custo supera metade do orçamento por uma cesta que, em certas situações, não dá para um mês. Fora que, em casas com quatro pessoas, às vezes, só uma ou duas trabalham. [...] Sobra pouco e isso impacta na vida, no dia a dia e até no raciocínio das pessoas. Tem uma questão chamada 'mentalidade da escassez' que reduz a capacidade de pensamento quando a falta de dinheiro e comida toma sua cabeça", explica.
Dicas para economizar
Para tentar minimizar a dor de cabeça causada pelos sucessivos aumentos, o consumidor se vê obrigado a procurar alternativas para reduzir o preço de compra do botijão. Robério Souza indica que a compra direta nas revendedoras pode gerar uma boa economia. "Quem tiver condição de ir até uma loja ao invés de esperar passar em casa ou coisa do tipo, vai economizar. A gente sabe que nem todo mundo pode porque mora longe e o botijão é pesado. No entanto, quem puder encontra preços na casa dos R$ 110 ou R$ 115 direto nesses locais", orienta o diretor do Sinrevgas, alertando que de outras formas o preço pode chegar até a R$ 130.
Raphael Carneiro aponta que é necessário fazer o bê-á-bá de quem precisa economizar: pesquisa. Além de checar diferentes revendedores, vale conferir plataformas de compra e possíveis benefícios. "A saída, infelizmente, é pesquisar e pesquisar. Procurar diferentes vendedores, diferentes métodos de compra. Isso sem abrir mão da segurança, é claro. Vale checar aplicativos e também clubes de compra que possam entregar um valor mais em conta e que não prejudique. Além disso, tentar cozinhar de formas que você economize o gás. Lembrando que não se pode romantizar a situação e dizer que só basta economizar", ressalta ele, reiterando que a situação é complicada.
A segurança é ponto fundamental na hora da compra com um revendedor de gás de confiança e também no momento de rechaçar alternativas que podem pôr famílias em risco. De acordo com a Secretaria da Saúde do Estado (Sesab), o número de queimados aumentou 18,75% na Bahia no primeiro trimestre de 2022 comparado ao mesmo período do ano anterior. Embora a Sesab não tenha informado as causas, um estudo publicado pela Sociedade Brasileira de Queimaduras (SBQ) aponta a relação direta entre a incidência das queimaduras por líquidos inflamáveis, especialmente o álcool, e o preço do gás liquefeito de petróleo.
A Associação das Donas de Casa da Bahia também foi procurada para falar sobre formas de economizar o gás, mas não retornou à reportagem até o fechamento desta matéria.
Fonte: A Voz da Região / Correio24horas