A demanda por vagas na rede municipal de ensino em Salvador cresceu de maneira exponencial durante a pandemia, conta o secretário municipal de Educação, Marcelo Oliveira. "Até 2020, entre 500 e 1 mil novos alunos ingressavam em nossa rede. Mas nestes dois últimos anos, 29 mil alunos procuraram as escolas do município e todos foram acolhidos", destaca. "Nós sabemos que a imensa maioria destes estudantes vieram das escolas privadas, que fecharam as portas porque muitos pais perderam renda, enquanto outros não viram cabimento em pagar mensalidade numa escola privada com os filhos em casa", analisa.
A rede municipal de Salvador alcançou 4,3 pontos no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), acima da média nacional (Foto: Marina Silva/CORREIO) |
Segundo o secretário, Salvador propôs no ano passado um processo gradual de municipalização das escolas dos anos finais do ensino fundamental que estão sob a gestão do estado. "É um processo complexo, nós sugerimos fazer isso em etapas, já tínhamos um acordo para agregar à nossa rede 18 escolas e 10 mil alunos do ensino fundamental 2, que passariam para nossa rede", conta. Segundo Marcelo Oliveira, o projeto foi paralisado após a mudança de comando na Secretaria Estadual de Educação. "É algo que continua em nossa pauta, queremos atender a toda a população de estudantes do 1º ao 9º ano porque entendemos que podemos oferecer um ensino qualificado para este público, como já atendemos a totalidade dos alunos entre 2 e 5 anos", acredita.
"Nós temos maior capacidade de promover uma educação eficaz para estas crianças, o aprendizado efetivo. É algo que eu imagino que deveria ser do interesse do estado, para que possa se dedicar ao ensino médio", avalia Oliveira.
O governo estadual assumiu parte do ensino fundamental em Salvador há muitos anos, conta o secretário municipal de educação de Salvador. Segundo ele, isso aconteceu porque antigas gestões municipais indicavam não ter condições de gerir o sistema adequadamente. Isso mudou há pouco mais de 10 anos, assegura.
"De 2012 para cá, nos tornamos a capital que mais avançou no ensino infantil, conquistando a universalidade do acesso das nossas crianças nesta faixa, dos 2 aos 5 anos, atendendo plenamente", conta.
O secretário municipal de educação de Salvador, Marcelo Oliveira, explica que a Rede Municipal de Salvador, é mais robusta que a das outras cidades baianas e que, por isso, a falta de articulação por parte da rede estadual não causa grandes dificuldades. "Temos um sistema de trabalho sólido, com um quadro de funcionários bem preparados, qualificados, e tem um planejamento autônomo, no sentido de termos nossos projetos e planos", destaca.
"A carência de uma articulação conosco é pouco evidente. Mas é claro que municípios menores e com poucos recursos, como muitos que a Bahia tem, sentem muita falta desse apoio para oferecer um melhor serviço aos seus alunos, principalmente na alfabetização, que é o momento mais importante da formação de qualquer indivíduo", pondera. "Salvador hoje tem um projeto voltado para a conquista da alfabetização plena dos nossos alunos aos 6 anos, o que significa que a criança deve terminar o primeiro ano do ensino fundamental sabendo ler e escrever", diz.
No primeiro momento, a meta do município é de alcançar 80% de alunos aos 6 anos e trabalhar com os 20% restantes, que tiverem mais dificuldades, no decorrer do ano seguinte. "O processo de alfabetização é algo que tem dominado a nossa atenção porque entendemos que é muito melhor investir numa base melhor no início do processo, do que ter que corrigir depois", aponta.
Bahia aparece como o 5º estado com pior média de escolaridade entre a população ocupada (Foto: Marina Silva/CORREIO) |
Contexto desafiador
"O contexto educacional da Bahia é muito desafiador, está entre os piores ensinos médios do país e no ensino fundamental possui números bem preocupantes", avalia Ivan Gontijo coordenador de políticas educacionais do movimento Todos pela Educação.
Ele rechaça a situação socioeconômica como principal explicação para os problemas enfrentados pela educação estadual e lembra que estados nordestinos e que têm contextos semelhantes aos da Bahia conseguem desempenhos melhores. Entre os grandes desafios que a Bahia precisa superar na área, ele destaca a questão da alfabetização de crianças. Não apenas no que diz respeito ao alcance, mas sobretudo em relação à qualidade do processo.
Segundo ele, provas de proficiência realizadas com estudantes do 2º ano do ensino fundamental, quando se espera que a criança já esteja alfabetizada, mostram que o nível de domínio da língua portuguesa no estado atinge um indicador de 738, abaixo da média nacional, de 750 pontos. "Em matemática, o cenário é ainda pior. A média do Brasil também é 750 e o resultado da Bahia é de 737, colocando o estado em 18º lugar", diz.
"A gente compreende que o nível socioeconômico dos estudantes tem uma influência, ninguém fecha os olhos para isso. Estados mais pobres tendem a ter um número de analfabetos maior, mas isso não define tudo. O Ceará é o estado que tem a melhor pontuação nestes testes de proficiência", compara.
A diferença, complementa, é que o governo cearense criou um programa para apoiar os municípios no processo de alfabetização. Outros estados do Nordeste destacados como exemplos por ele são Alagoas e Pernambuco.
Ivan Gontijo fala sobre a importância de uma articulação entre os diversos entes federativos em prol de melhorias do sistema educacional. O que se vê hoje, completa, é cada um preocupado com a sua própria rede. "O que a gente percebe é que olhar apenas para a própria rede não funciona. O governo estadual precisa ter um olhar para o território, não para a rede. Até porque o aluno que está na rede municipal, no ensino fundamental, vai ingressar na rede estadual para fazer o ensino médio. Se não for bem alfabetizado, vai carregando estas dificuldades ao longo de toda sua trajetória", diz.
"A Bahia tem muitos municípios pequenos, não adianta imaginar que estas prefeituras menores vão conseguir dar conta da formação de professores, de fornecer materiais incríveis para a alfabetização porque faltam recursos e uma estrutura mais robusta", avisa. "O governo estadual precisa assumir o compromisso de liderar este processo", indica.
Com base na experiência cearense, ele conta que o estado pode assumir a formação dos professores, da produção do material didático, além de criar políticas próprias para estimular o desenvolvimento das redes municipais. Cita como exemplo o ICMS Educação, criado no Ceará e hoje implantado no Acre, Alagoas, Pernambuco, Sergipe, Amapá, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul e Piauí. A ideia do "imposto da educação" é direcionar parte da arrecadação destinada aos municípios para aqueles que conseguirem melhorar os desempenhos educacionais. Quem se sai melhor, recebe cotas adicionais de tributos como o ICMS, por exemplo.
Ivan Gontijo explica que as transformações nas políticas educacionais costumam levar tempo para serem percebidas, mas acredita que os últimos 15 anos de seguidas administrações petistas poderiam ter rendido uma mudança significativa no cenário aqui na Bahia. "Às vezes a gente pensa que os resultados são muito a longo prazo, mas os dados mostram que é possível obter resultados com duas ou três gestões fazendo um bom trabalho de maneira contínua", diz.
"A Bahia vem de um período de continuidade política, indo para 16 anos com um mesmo grupo. O problema é que não conseguiu estruturar um sistema robusto nem de educação, nem de apoio aos municípios na alfabetização. É um cenário muito desafiador", avalia. "Hoje, a Bahia está muito atrás".
Sem uma boa política, sem um projeto para a área, nem mesmo a destinação de grandes volumes de recursos podem resolver os problemas, acredita. "Não adianta colocar o Maicon Phelps numa piscina que não tem água e também não adianta me colocar numa piscina cheia de água. É preciso ter financiamento e gestão ao longo do tempo", acredita.
Citando ainda o Ceará como exemplo, ele aponta que o estado tem um dos menores investimentos por aluno e ainda assim consegue bons resultados. "Dinheiro é importante, mas não dá para achar que é só colocar dinheiro e tudo se resolve", aponta.
No mais recente diagnóstico da Educação produzido pelo Instituto Airton Senna, em 2019, a Bahia aparece como o 5º estado brasileiro com pior média de escolaridade entre a população ocupada. Por aqui, o trabalhador estuda pouco mais de 7 anos antes de ingressar no mercado de trabalho. No Distrito Federal, unidade da federação com o melhor desempenho, a média sobe para quase 10,5 anos.
Como consequência, o estado tem a quarta pior média de produtividade por trabalhador, indica o mesmo estudo, à frente apenas do Pará, Maranhão e Piauí. A análise de Ricardo Paes de Barros, economista-chefe do Instituto Ayrton Senna e professor da Cátedra Instituto Ayrton Senna no Insper, no estudo, é que estas condições fazem da Bahia um estado "importador" de mão de obra qualificada. Segundo o estudo, 20% dos trabalhadores que emigraram para o estado têm nível superior.
Em relação a matrículas de crianças na pré-escola, o estado se posiciona como o 6º melhor do país. O mesmo cenário se repete entre as crianças entre 4 e 5 anos. Quando a análise passa para a faixa etária entre 15 e 17 anos, o desempenho cai para o nível mediano, com o estado caindo para a 16ª colocação.
No que diz respeito à qualidade do ensino, o Instituto Airton Senna indica que menos de 30% dos estudantes baianos apresentam um nível suficiente de proficiência em leitura e em escrita, colocando o estado como o 6º pior do país. O mesmo resultado se repete em relação ao ensino de matemática. Ao concluir o ensino fundamental, os alunos baianos aprendem apenas 45% do que deveriam em matemática e 58% em português, aponta o estudo.
O desempenho ruim se repete no ensino médio, quando o estado aparece como o 3º pior no ensino de matemática e o 2º pior em língua portuguesa. Pelos dados do Ideb, a Bahia possui o pior ensino médio do Brasil.
A Bahia é o terceiro estado com o menor nível de estadualização dos anos iniciais do ensino fundamental, à frente apenas do Pará e do Rio de Janeiro. Nos anos finais do ensino fundamental, o estado aparece com o quarto menor índice, responsável por pouco mais de 20% da rede.
Sistema Nacional de Educação avança no Congresso
As discussões para a criação do Sistema Nacional de Educação estão avançando no Congresso Nacional. No último mês de maio, o Projeto de Lei Complementar (PLP 235/2019), que cria o SNE, foi aprovado no Senado Federal. A proposta está agora em análise na Câmara dos Deputados.
O sistema deve possibilitar a integração de políticas e ações educacionais da União, Estados, Municípios e Distrito Federal. Entre os objetivos estão a universalização do acesso à educação básica de qualidade, garantia de infraestrutura adequada para as escolas públicas e o cumprimento do piso salarial profissional nacional para o magistério público da educação básica.
Modelo semelhante já é encontrado em outras áreas, como no Sistema Único de Saúde, o SUS, e o Sistema Único de Assistência Social, o SUAS.
Pelo texto, a ideia é universalizar o acesso à educação básica e garantir padrão de qualidade; erradicar o analfabetismo; assegurar as oportunidades educacionais; articular níveis, etapas e modalidades de ensino; cumprir planos de educação nos entes federativos; e valorizar os profissionais da educação, entre outras ações.
Como princípios e diretrizes do SNE, são mencionadas a igualdade de condições para acesso e permanência na escola, na alocação de recursos e na definição de iniciativas; a articulação entre escola, trabalho e prática social; e ações inclusivas para alunos e populações de comunidades tradicionais, indígenas e quilombolas.
Estados, Distrito Federal e municípios terão até dois anos para aprovar legislação específica para criação dos respectivos sistemas estaduais, distrital e municipais de educação. O Ministério da Educação deverá prestar assistência a todos.
"O Sistema Nacional de Educação poderá representar um estímulo ao princípio da colaboração entre governos na adoção de políticas educacionais", afirmou o autor da proposta, senador Flávio Arns (Podemos-PR), ao defender as mudanças.
Saiba mais:
O que é?
O "sistema dos sistemas", ou ainda o "SUS da educação", em uma analogia com o Sistema Único de Saúde. A ideia é favorecer a cooperação das redes de educação por meio de ações da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios coordenadas por comissões intergestores nos âmbitos nacional e subnacional
Por quê?
O SNE foi previsto no atual Plano Nacional de Educação e, pela legislação, deveria ter sido implantado em 2016. Atualmente, não há um sistema nacional que coordene e distribua as responsabilidades pela Educação brasileira, mas isso não significa que sua criação não seja debatida. Na Constituição Federal de 1988, por exemplo, há a previsão de uma lei complementar para garantir o estabelecimento desse sistema.
Quais os principais pontos?
Pelo texto do Senado, universalizar o acesso à educação básica e garantir padrão de qualidade; erradicar o analfabetismo; assegurar oportunidades educacionais; articular níveis, etapas e modalidades de ensino; cumprir planos de educação nos entes federativos; e valorizar os profissionais da educação, entre outras ações
E os próximos passos?
O PLP 235/19, do Senado, será analisado pelas comissões da Câmara, e não há data para ser votado pelo Plenário. Se virar lei, os estados, o Distrito Federal e os municípios ainda terão até dois anos para aprovar normas específicas locais, e o Ministério da Educação deverá prestar assistência a todos nessa tarefa.