"Ouçam Mirtes": 10 anos após PEC das Domésticas, livro mostra desafios da profissão

Em livro, juíza do trabalho reconta história do menino Miguel, morto após cair de prédio de luxo no Recife para falar da precarização do trabalho doméstico no Brasil

Por A VOZ DA REGIÃO em 28/03/2023 às 11:40:53
(crédito: Divulgação)

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Em 2 de junho de 2020, em plena pandemia, o menino Miguel, de apenas 5 anos, morreu após cair de um prédio luxuoso no Recife. A criança era filho de Mirtes Renata Souza e tinha sido deixada aos cuidados da patroa dela, Sari Corte-Real, para que a empregada doméstica pudesse passear com o cachorro dela. O caso emblemático que mobilizou o país serve de pano de fundo para o livro Ouçam Mirtes, Mãe de Miguel: trabalho doméstico remunerado e desigualdades no Brasil, lançado este mês pela juíza do trabalho no Distrito Federal Maria José Rigotti.

Trabalhando na justiça do Trabalho, Maria José Rigotti sabe bem como a história de Mirtes não é isolada e reflete o cotidiano das 5,9 milhões de trabalhadoras domésticas do país. No aniversário de 10 anos da promulgação da PEC das Domésticas, os desafios para a categoria, formada majoritariamente por mulheres, ainda são enormes. De acordo com a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), três em cada quatro trabalhadoras domésticas estão na informalidade. Este mês, a Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad) está lançando a Campanha de Sindicalização da categoria. "O Sindicato, através dessa campanha, convida as Trabalhadoras Domésticas para se associar ao sindicato, para que juntas possamos fortalecer a luta por salário dignos, e respeitos aos direitos conquistados, além da necessidade desses direitos serem ampliados", diz a instituição.

Para além da informalidade, Maria José Rigotti destaca o racismo estrutural e o machismo como figuras de peso no cotidiano das mulheres domésticas. "O tratamento que é dado a elas de desumanizado é marcado por racismo e sexíssimo. A gente teve uma abolição, mas ela continua com suas raízes na sociedade e onde está mais claro é no trabalho doméstico", destaca. Para ela, é necessário que a sociedade mude estruturalmente para que realmente se tenha mudanças. "É uma questão estrutural porque elas não estão sendo representadas na política. Quem está legislando são os empregadores, quem julga também", afirma.

Confira a entrevista completa

O livro acaba de ser lançado. A senhora pode falar um pouco sobre o que ele aborda?

O livro foi um trabalho de mestrado em que eu peguei como estudo de caso uma tragédia que foi muito repercutida, que foi a morte do menino Miguel. O contexto todo diz respeito ao trabalho doméstico no Brasil. O nome "Ouçam Mirtes" veio da campanha que nasceu quando a Mirtes começou a cobrar justiça, que ela está esperando até hoje. Uma artista plástica, a Nana Fernandes, viu o caso e começou anotar as frases de Mirtes e com isso ela fez uma campanha.

Foi um acontecimento muito trágico. E envolve todo o contexto de sexíssimo e classicismo que toca essas empregadas domésticas. Enquanto ela estava trabalhando, em plena pandemia, a Sari estava fazendo as unhas, com outra trabalhadora que também não deveria estar ali, o Miguel entrou no elevador e em vez dela tirar ele dali, ela apertou para o andar da cobertura e ele acabou caindo.

Quando se olha para esse microcosmo, a gente consegue enxergar um Brasil com desigualdades profundas que reproduz todo o histórico escravocrata e pós escravidão. O trabalho doméstico é extremamente complexo e dentro de um espaço privado, onde se tem intimidade e desafeto.

Como surgiu a ideia de escrever sobre o assunto?

O interesse pela temática vem muito antes porque é a minha área de atuação e o trabalho doméstico, para mim, permite analisar com profundidade as desigualdades. Em algumas categorias é possível olhar com cuidado para classe e raça. O trabalho doméstico é a maior categoria feminina de trabalho no Brasil e a maioria são negras. Já as empregadoras são de classe média e alta, a maioria branca. É um forte contraste e mostra o racismo estrutural na sociedade.

Além disso, é uma categoria altamente informal. Em torno de 70% não tem registro na carteira de trabalho e só 30% tem direito protegido. É uma categoria altamente precarizada. Na própria lei, há direitos desiguais como exemplo saúde, apesar de serem um dos mais expostos a situações insalubres. O tratamento que é dado a elas de desumanizado é marcado por racismo e sexíssimo. A gente teve uma abolição, mas ela continua com suas raízes na sociedade e onde está mais claro é no trabalho doméstico.

Fonte: A Voz da Região / Correio Brasiliense

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