Todo bairro tem aquela mercearia, minimercado ou mercadinho. O nome varia, mas as características são as mesmas: é o estabelecimento perto de casa que tem de tudo um pouco e quebra um galho danado. O setor vem ganhando destaque no mercado e, de acordo com dados da Junta Comercial da Bahia (Juceb), cresceu 80% nos últimos dois anos. De janeiro a 25 de abril de 2020, foram abertas 249 mercearias no estado e, no mesmo período deste ano, foram 448.
Tratando-se de anos completos, o crescimento foi de 28% de 2020 (1.129 novas mercearias) com 2021 (1.449 novas unidades). Para o especialista em pequenos negócios do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), Fabrício Barreto, além de serem estabelecimentos que lidam com necessidades básicas e, por isso, sempre terem demanda, o crescimento pode ser explicado pelo aumento da procura por comodidade e praticidade.
"A grande vantagem desses locais é a proximidade da residência do cliente. Até se o preço do produto for mais elevado, mas o cliente precisar pegar o carro para ir até um supermercado e comprar mais barato, ele pode optar pela mercearia se fizer as contas. O combustível está muito caro e, muitas vezes, o cliente não tem tempo, então o deslocamento não compensa e a mercearia sai ganhando", diz Barreto.
É isso que faz com que Júlia Serrão, de 34 anos, seja fã das mercearias. "Eu faço as compras de mês pelo site de um supermercado, mas tem que comprar fruta e pão, por exemplo, toda semana. Para isso, eu vou na mercearia aqui na esquina. Vou andando, é rapidinho, não tem fila e nem aquela confusão toda de supermercado", explica.
O especialista do Sebrae diz ainda que uma grande vantagem das mercearias é poder atender um público variado. "É uma loja que pode ter uma grande variedade de produtos, então pode atingir diferentes públicos e, assim, ser uma oportunidade de negócio muito interessante. Se o estabelecimento for próximo a grandes redes e ainda conseguir manter preços baixos, talvez até diminuindo a margem de lucro, ainda consegue atrair clientes que fazem compras maiores. Para isso, é preciso escolher bem os fornecedores, negociar, calcular bem o estoque", acrescenta.
Empreendedorismo e pandemia
De acordo com o Sebrae, o crescimento do setor das mercearias vem, ao menos, desde 2007, mas a pandemia trouxe novas configurações ao setor. A necessidade de se afastar o menos possível de casa e optar por frequentar locais menos movimentados acelerou a tendência. Segundo a Allis, uma empresa de Field Marketing, em 2021 houve, no cenário nacional, um crescimento de 20% na busca dos consumidores pelo comércio perto de casa.
O aquecimento da categoria de mercearias na pandemia reflete o aquecimento do empreendedorismo de um modo geral. De 2020 para 2021, de acordo com a Juceb, houve aumento de 39% do número de novas empresas na Bahia, sendo o maior percentual desde 2013. Para Isabel Ribeiro, gerente adjunta da Unidade de Gestão Estratégica do Sebrae, o dado foi impulsionado pelas micro e pequenas empresas, que representam 98% dos empreendimentos. Em 2020, eram 885.938 e, em 2021, 1.021.626.
"Estamos falando de pessoas que encontraram oportunidades e empreenderam, mas, principalmente, das que tiveram a necessidade de empreender. Com o aumento do desemprego nas empresas de maior porte, esses empregados que foram desligados, abriram um empreendimento individual como alternativa de sobrevivência", coloca Isabel Ribeiro.
Atenção às demandas do mercado
Cássia Barreto, de 40 anos, é dona, junto com o marido, Nilo, da Barreto Frios, uma mercearia que fica nos Barris, em Salvador. O estabelecimento já existe há 12 anos e Cássia diz que o principal objetivo é atender as emergências da vizinhança. "Tem gente que não gosta de ir ao supermercado ou acha mais difícil o deslocamento, às vezes não tem carro para fazer compra grande, então vem sempre aqui. E a gente atende também aquele cliente que quer um pão para o café ou que foi fazer um bolo e viu que faltava açúcar", diz.
Como diferencial, ela e o marido decidiram vender frango assado, todos os dias, a partir das 11h. "Tem muita demanda e, quando a pessoa vem comprar o frango para o almoço, acaba sempre comprando outras coisinhas também", acrescenta.
Por se tratar de estabelecimentos menores, os estoques também são reduzidos e, com isso, às vezes os produtos saem mais caros para o empreendedor na hora da compra com o fornecedor. Para segurar os preços, somente um funcionário além de Cássia e o marido trabalham na mercearia. Já Ivair da Silva, de 48 anos, vice-presidente da Rede Kinze de mercearias, encontrou outra solução. Ele conta que são 15 unidades divididas entre parentes na Região Metropolitana de Salvador; algumas já existem há 30 anos e a mais recente tem 8 anos. Em 2020, os familiares decidiram formar a Rede e, assim, ganharam vantagem sobre a concorrência.
"Com a crise, a gente já notou que o pessoal prefere pesquisar os preços. Mas aí, por sermos uma rede e termos diversas unidades, conseguimos os mesmos preços com os fornecedores que os grandes mercados conseguem. Por isso quisemos fazer essa junção. Aí podemos oferecer mais qualidade, por ser um serviço mais intimista, pelo mesmo preço. E quem não adotar essa estratégia vai acabar ficando para trás mesmo", coloca Ivair, que é dono, há 13 anos, de uma das unidades que ficam em Jauá.
Segundo Ivair, o público por lá é diverso porque engloba nativos e também quem está só de passagem nos finais de semana ou Verão. Por isso, é preciso estudar bem o mercado. "A gente tem de tudo, desde bola de ping-pong a material de papelaria. Como é uma região de praia e piscina, vendo produtos de piscina, ração de cachorro, coisas de jardinagem e por aí vai. A gente vai observando a demanda do cliente. Se ele procura algo que não tem, em 15 dias eu coloco na loja", acrescenta.
Como se diferenciar?
Fabrício Barreto alerta que um mesmo bairro pode ter diversas mercearias, mas há uma janela de oportunidades para que uma se destaque das demais.
"A qualidade do atendimento é fundamental nesse tipo de negócio. O cliente que vai todo dia vai gostar de saber que o funcionário já sabe se ele prefere o pão mais torrado ou mais branquinho, por exemplo. Se aquele açougueiro limpa a carne como nenhum outro, é naquele lugar que o cliente vai querer sempre ir", coloca.
Sérgio Oliveira, de 60 anos, é um fiel cliente de uma das mercearias da Pituba justamente pela proximidade com a dona do estabelecimento. Ele diz que frequenta supermercados para as compras de mês, mas não abre mão das mercearias. "É aqui na minha rua e eu vou andando quase todo dia comprar pão. Lá tem mais variedade, o pão é mais gostoso e é mais barato. Eu vou tanto que a dona já virou minha amiga e já sabe que eu gosto do pão mais queimadinho, aí já separa esses para mim", diz.
Outra dica de Fabrício Barreto é que o empreendedor pode apostar em acrescentar uma sessão de açougue ou bebidas, por exemplo, dentro da loja. Além disso, é importante estar atento às oportunidades do mercado para o público que procura por produtos orgânicos, artesanais e veganos, por exemplo.
A Roça Mercearia, que fica no Caminho das Árvores, tem como foco os produtos artesanais. O slogan é "O sabor do Campo na sua mesa", conta o dono João Humberto Torreão, de 51 anos. Lá, são vendidos, principalmente, queijos, doces, defumados e cachaças e licores que vêm de pequenos e médios produtores. "Apostamos em produtos nacionais, premiados, fazemos pesquisas e buscamos novos itens pelo interior da Bahia. E estamos atentos às demandas dos clientes, temos intolerantes à lactose e pessoas preocupadas com o que os nutricionistas mais indicam, com os produtos mais saudáveis", diz Torreão.
A Roça Mercearia apostou nos produtos artesanais (Foto: Arquivo Pessoal) |
"A gente partiu de uma aposta de que o alimento artesanal não era uma moda, mas uma tendência e vinha para ficar. E realmente é assim. Existe um público que se preocupa com a origem do produto, que quer saber a história dele, como foi produzido, qual o impacto ambiental e que está disposto a pagar mais por uma qualidade melhor. É esse público que a gente atende", resume.
A Roça Mercearia apostou nas vendas online durante a pandemia. Segundo Fabrício Barreto, esse investimento é essencial atualmente. "Também é fundamental que esses locais, mesmo sendo de pequeno porte, invistam em tecnologia. Estamos falando de coisas de baixo custo, como perfis em redes sociais e um WhatsApp Business, por exemplo. Apostar em delivery, serviço online, é essencial. Aí você pode aproveitar os horários mais vazios para que os funcionários façam as entregas e não sejam necessárias mais contratações", aconselha.
Por último, o especialista do Sebrae alerta que a maioria das mercearias, assim como o Barreto Frios e a Rede Kinze, funcionam em ambiente familiar e num esquema de proximidade com o cliente e que isso, para além das vantagens, exige alguns cuidados. "Você pode envolver o ente familiar dentro do negócio, mas desde que o papel de cada um seja bem estabelecido e as relações não se misturem. E a proximidade com o cliente é importante, mas temos que ter atenção com os chamados fiados. No interior, por exemplo, isso é muito comum e até um diferencial, mas é preciso saber os limites e ter tudo muito bem calculado para não comprometer a saúde do negócio", finaliza.
Dicas para abrir uma mercearia:
Segundo Fabrício Barreto, o primeiro passo é pensar no custo fixo mensal da mercearia. "Se eu vou pagar R$2 mil de aluguel, meu faturamento precisa ser de, no mínimo, R$30 mil", diz. A partir daí, é preciso pensar no investimento inicial para compra de produtos e equipamentos. "Eu posso, por exemplo, começar um estabelecimento desse numa loja de 30 m² com R$30 mil. Mas aí eu não posso ter uma expectativa tão alta, preciso ir aos poucos. Se eu pensar em frios, açougue, bebidas, o investimento em produtos e equipamentos é bem maior", acrescenta.
Os custos envolvem máquinas e equipamentos, reforma do espaço, custo para registro da empresa, capital de giro e formação de estoque inicial. O retorno deste valor investido é estimado em um ano e meio, mas depende da quantidade de produtos e local no qual a mercearia estará instalada. Este modelo de negócio é considerado de baixo risco, porque o lucro mensal pode ser baixo, mas é raro que chegue a zero. Veja dicas para abrir o negócio:
1 - Planejamento
O empreendimento é pequeno, mas é preciso fazer um planejamento para que ele realmente gere resultados positivos. Coloque na ponta do lápis tudo o que você tem para investir nesse negócio e, a partir deste valor, faça as escolhas. Liste todos os seus objetivos e pequenas metas durante determinado período. Vá até as mercearias que você conhece e estude o comércio.
2 - Localização
Como em qualquer pequeno negócio, estar próximo do público-alvo é essencial. Portanto, o local escolhido deve ser uma região de fácil acesso a todo o bairro que você pretende atingir e seguro para que os consumidores consigam chegar até você no horário que preferirem.
3 - Exigências legais e específicas
Para que tudo ocorra como planejado, recomendamos a contratação de um profissional de contabilidade habilitado para que ele dê entrada nos processos de elaboração dos atos constitutivos da empresa. Além disso, ele terá um papel fundamental na escolha do modelo jurídico mais adequado para o seu empreendimento. Ele também poderá ser o responsável por preencher os formulários exigidos pelos órgãos públicos para o cadastro de pessoa jurídica.
4 - Estrutura
Você não precisa ter um espaço muito grande para começar a vender, mas é necessário que o local seja limpo, aconchegante e muito organizado. Os produtos precisam estar bem expostos e precificados para que o consumidor encontre facilmente o que precisa, já que esse tipo de estabelecimento não costuma contar com grande quantidade de funcionários.
5 - Equipamentos
Gôndolas e prateleiras serão necessárias para a exposição adequada dos itens. Você pretende trabalhar com produtos que devem ser conservados em baixas temperaturas, como refrigerante, cerveja, congelados, etc.? Freezer é um investimento que você deve se preocupar, pois a qualidade de alguns dos produtos vendidos depende dele.
6 - Divulgação
Por mais que o negócio seja pequeno, investir na divulgação é fundamental para que as pessoas saibam que ele existe. Colocar um banner atrativo na frente do local é uma maneira simples de divulgação, mas que pode gerar retorno satisfatório. Investir em anúncios nas redes sociais pode ser uma estratégia e tanto! Afinal, é possível construir uma segmentação e atingir as pessoas que passam próximo da sua mercearia, por exemplo.
A Voz da Região / Correio24horas