Brasil e Argentina numa semifinal de Copa do Mundo: o maior jogo da história do futebol está na esquina, esperando para se materializar na próxima terça-feira, às 22h de Doha, diante de 88.966 testemunhas no estratosférico estádio Lusail. A última fronteira é guardada por nada menos do que Croácia e Holanda, que hoje enfrentam Brasil e Argentina, respectivamente, pelas quartas de final. Duas seleções decentes, com boas exibições no Catar e histórico recente de resultados relevantes na Copa — a Holanda foi terceiro em 2014, a Croácia foi vice-campeã em 2018. As duas são perfeitamente capazes de causar dano às potências sul-americanas. Ninguém chega por acaso ou convite a estas instâncias de um Mundial.
Mas os mandamentos do futebol, que não aceitam insolências como prever uma semifinal antes de decidir as quartas de final, não se aplicam a colunas de jornal. Aqui é território livre para sonhar com este Brasil x Argentina mesmo enquanto ainda paira sob Doha o risco de esse jogo nunca acontecer. É enorme a lista de motivos que induzem tamanha ansiedade por uma partida que hoje só existe em imaginação. A começar pelo que Brasil e Argentina já mostraram no Catar. O fato de este jogo mítico cair numa semifinal e não na decisão do troféu também carrega uma beleza triste. Depois de quatro títulos seguidos de europeus, nosso teto ficou mais baixo. O máximo que podemos aspirar é uma batalha entre nós para decidir quem pega o melhor deles na final.
Esta é a última Copa de Messi, o gênio absoluto de sua geração, talvez a última de Neymar, tão elusivo com as palavras quanto com a bola. A primeira sem Maradona neste plano — nem o jogador fabuloso, nem o técnico confuso, nem o comentarista mordaz, nem o torcedor estridente. A primeira em que Pelé deixou o mundo inteiro sem respirar por uns dias, torcendo por boletins médicos, seu nome em faixas nos estádios e seu rosto nos arranha-céus de Doha. Longa vida ao Rei.
A rivalidade que andava domesticada depois de décadas de submersão argentina (36 anos sem título mundial, 28 anos sem troféu continental) e do longo processo de sabotagem a que expuseram seu maior jogador, voltou aos níveis de sempre depois da Copa América de 2021. De lá para cá houve o papelão mútuo de CBF e AFA no jogo da Anvisa e a batalha de San Juan pelas Eliminatórias, um empate sem gols mas com sangue, uma enorme prova da maturidade dos jovens brasileiros.
Otamendi e Raphinha no jogo classificatório: rivalidade que andava adormecida voltou após a última Copa América — Foto: Andrés Larrovere / AFP
Se o mundo puder desfrutar de um Brasil e Argentina na semifinal em 2022, será improvável a repetição da cena registrada ano passado, Neymar e Messi sentados num corredor do Maracanã, rindo como duas crianças depois de jogar uma pelada na praia ou na rua, vencedor e vencido abraçados. Aquela conquista é tema da música mais cantada pelos argentinos aqui no Catar. Aliás: se eles conseguiram compor uma canção para exaltar uma Copa que perderam, mas na qual eliminaram o Brasil nas oitavas de final ("Brasil, decime que se siente" é sobre Itália-90), calcule do que serão capazes caso triunfem no Lusail.
Os ingleses podem ter inventado o jogo, Alemanha e Itália podem ter lá suas quatro estrelas cada uma; a França de Mbappé é de fato um assombro. Mas não existe algo no planeta semelhante a um Brasil e Argentina. Na semifinal da Copa, então... Croácia e Holanda que nos permitam.
Fonte: A Voz da Região / g1.globo.com